tag:theconversation.com,2011:/br/home-pageThe Conversation: notícias e análises produzidas por cientistas e pesquisadores – The Conversation2025-11-04T18:53:36Ztag:theconversation.com,2011:article/2684392025-11-04T18:53:36Z2025-11-04T18:53:36ZA importância econômica da educação em saúde para as pessoas idosas<p>A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com sede em Paris, acaba de divulgar o relatório <a href="https://www.oecd.org/en/publications/the-economic-benefit-of-promoting-healthy-ageing-and-community-care_0f7bc62b-en.html">The Economic Benefit of Promoting Healthy Ageing and Community Care</a> (ou “O benefício econômico da promoção do envelhecimento saudável e do cuidado comunitário”). </p>
<p>Uma curiosidade sobre a publicação é que o título divulgado previamente era “<em>No place like home: Promoting prevention and care in the community</em>” (“Não há lugar como o lar: promovendo prevenção e cuidados na comunidade”). A alteração de última hora é sintomática do ponto de vista de pesquisadores da área do envelhecimento sobre um tema muito presente no debate público sobre a longevidade: o “envelhecer em casa” (em inglês, “ageing in place”).</p>
<p>Como está evidente, mas não custa reforçar, trata-se de escolher <a href="https://theconversation.com/vieillir-chez-soi-jusquou-compter-sur-sa-famille-266679?utm_medium=article_native_share&utm_source=theconversation.com">permanecer em sua própria casa na velhice</a> diante da opção de uma institucionalização em residenciais para pessoas idosas – muito mais comuns em parte da Europa e nos Estados Unidos do que no Brasil, onde <a href="https://repositorio.ipea.gov.br/entities/book/d39b21c5-50e3-49bb-9ace-e71534fb3cfa">calcula-se</a> que apenas 1% da população idosa vive em Instituições de Longa Permanência para Pessoas Idosas (LPIs). </p>
<p>Embora seja um desejo notório das pessoas envelhecerem em suas casas, <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0890406520300402?via%3Dihub">o custo social tem se revelado alto</a>, sobretudo para aquelas pessoas com algum grau de dependência.</p>
<p>Essa é uma questão desafiadora para a implementação da Política Nacional do Cuidado (Lei 15.069/2024) e para o Plano Nacional do Cuidado, em plena efetivação por parte do governo federal.</p>
<h2>Envelhecer em casa é uma poupança para os cofres públicos</h2>
<p>Faz tempo que o “<em>ageing in place</em>” tornou-se um discurso midiático impulsionado, inclusive, por governos da Europa para reduzir os gastos de institucionalização, principalmente em países nos quais os modelos de seguridade social oferecem subsídios para a instituição por cada pessoa idosa residente, por exemplo, a França. Ou seja, envelhecer em casa é uma poupança para os cofres públicos. </p>
<p>Em alguns países, portanto, o envelhecer em casa tem sido quase uma imposição do Estado para economizar e atender às exigências de políticas de austeridade fiscal. Isso diminui a pressão por abertura de novas ILPIs públicas e gratuitas, embora acentue a <a href="https://www.versobooks.com/blogs/news/4979-emma-dowling-examines-the-mantras-of-self-care-and-what-they-tell-us-about-our-anxieties?srsltid=AfmBOook6mP2iWECDsLsi3ksYtSTGTmK-oQ_7IgMkUZZyZFgccf8Vn9J">crise global do cuidado</a>.</p>
<p>Nos países pesquisados pela OCDE, metade da população entre 65 e 74 anos tem ao menos duas condições crônicas e um em cada cinco tem limitações para desempenhar as atividades básicas ou instrumentais da vida diária. </p>
<h2>A humanidade não está envelhecendo com melhor saúde</h2>
<p>Uma constatação de pesquisas citadas no relatório, e cada vez mais consensual, é que a humanidade não está envelhecendo com melhor saúde diante das possibilidades e conhecimentos médicos. Na década 2011-2021, apenas Coreia do Sul e Polônia apresentaram redução em incidência de duas doenças crônicas na velhice. Na outra ponta, Portugal registrou até um crescimento.</p>
<p>De nenhuma maneira, a intenção da OCDE é contestar o envelhecimento em casa. No entanto, a organização apresenta os desafios de políticas públicas para fazer desse desejo uma meta da sociedade, de políticas públicas e impedir que se transforme em mais um instrumento de transferência do cuidado para as famílias e, notadamente, para as mulheres, com total absolvição do Estado na tarefa de cuidar.</p>
<p>A OCDE constata que as quatro políticas chave para a implementação do “envelhecer em casa” estão atrasadas na maioria dos países: prevenção, adaptação dos sistemas de saúde para atender ao crescimento da demanda de doenças crônicas não-transmissíveis, atendimento domiciliar e o cuidado comunitário. </p>
<p>Todas essas políticas são premissas para o envelhecimento em casa, do contrário esse “sonho” se transforma em custos impossíveis, sobretudo em países como o Brasil, comprometendo o bem-estar e pressionando ainda mais o sistema público de saúde, seja por chamados de urgência evitáveis ou aumento de internações.</p>
<h2>A alfabetização em saúde permite que as pessoas façam escolhas saudáveis</h2>
<p>Um dos pontos destacados pelos técnicos da OCDE é a educação em saúde. De acordo com o relatório, a limitada alfabetização em saúde dos idosos representa uma barreira à adoção de estilos de vida saudáveis e ao gerenciamento eficaz de condições crônicas por conta própria. A alfabetização em saúde permite que as pessoas façam escolhas de estilo de vida saudáveis e, ao mesmo tempo, gerenciem melhor doenças complexas.</p>
<p>No entanto, dados das <a href="https://www.oecd.org/en/publications/does-healthcare-deliver_c8af05a5-en.html">Pesquisas de Indicadores Relatados por Pacientes</a> (PaRIS) da OCDE mostram que pessoas com 75 anos ou mais apresentam níveis mais baixos de alfabetização em saúde do que pessoas com idades entre 45 e 55 anos. Da mesma forma, os níveis de alfabetização digital em saúde também são menores entre idosos do que entre jovens, indicando que o uso de ferramentas digitais e fontes online para informações sobre saúde é mais difícil para idosos. </p>
<h2>Para envelhecer em casa é preciso campanhas de massa</h2>
<p>Isso significa dizer que, se desejamos envelhecer em casa, é preciso investimento em campanhas de massa, por veículos de comunicação aos quais a população idosa tenha mais acesso, embora sem desprezar os meios digitais, onde as pessoas idosas cada vez mais estão conectadas e por onde circula mais desinformação.</p>
<p>Um exemplo da necessidade de mais educação em saúde são o números de sedentarismo entre a população idosa. Entre os países pesquisados, o sedentarismo é ainda muito alto, segundo a OCDE, comprometendo o envelhecimento saudável e trazendo desdobramentos econômicos. </p>
<p>A atividade física pode reduzir em 15% o número de pessoas com 65 anos ou mais que sofrem ao menos uma queda e, na totalidade, diminuir <a href="https://doi.org/10.1002/14651858.cd012424.pub2">a incidência de quedas em 38%</a>. Em 2019, pouco mais de uma em cada quatro pessoas com 65 anos ou mais atingiu as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de pelo menos 150 minutos de exercícios de intensidade moderada por semana.</p>
<p>Mais campanhas educativas perenes de conscientização e motivação são necessárias, além de informação sobre maneiras alternativas de se exercitar em casa. O sedentarismo é global, mesmo países ricos apresentam baixo índice de atividade física entre as pessoas idosas. </p>
<p>É nesse ponto que entre a importância de programas de cuidado em domicílio. Uma visita de um profissional de gerontologia ou de saúde ou um agente comunitário pode fazer a diferença. A OCDE mostra que, além de promover ações preventivas e de auxílio, programas como o <a href="https://prefeitura.sp.gov.br/web/saude/w/atencao_basica/346091">PAI</a> (Programa de Acompanhamento de Idosos), de São Paulo, ou o <a href="https://prefeitura.pbh.gov.br/assistencia-social/programa-maior-cuidado?__goc_wbp__=150972002C2smJ-ygYnS3-ioU52nuCueTL48">Maior Cuidado</a>, de Belo Horizonte, <a href="https://www.oecd.org/en/publications/is-care-affordable-for-older-people_450ea778-en.html">reduzem a desigualdade social</a> por meio de educação em saúde, portanto deveriam ser prioridade do Plano Nacional de Cuidado.</p>
<p>A educação em saúde é uma ação transversal das políticas de prevenção, adaptação de residências, reorganização dos sistemas de saúde pública e implementação do cuidado comunitário. Ela é, inclusive, imprescindível para a constituição bem-sucedida de outras formas de moradia, como <em>co-housing</em>, <em>co-living</em> etc. </p>
<p>Ao analisar a literatura e as recomendações da OCDE, é possível concluir que um Plano Nacional de Cuidado precisa dialogar estreitamente com a comunicação e educação em saúde e isso passa obrigatoriamente pela criação de um <a href="https://outraspalavras.net/outrasaude/politica-nacional-de-cuidados-um-primeiro-olhar/">serviço público domiciliar de cuidado</a> no país.</p>
<p>Esse é um desafio global. Nenhum país conseguiu equacionar de forma satisfatória essa necessidade da sociedade superenvelhecida do século XXI. A oferta de serviços de assistência domiciliar em vários países, afirma a OCDE, não garante que as pessoas possam levar uma vida independente em casa. Isso vai depender da qualidade do serviço. </p>
<p>Atualmente, 40% dos países têm limitações nas horas de assistência, o que implica em necessidades não atendidas e custos diretos (out of pocket) para as pessoas idosas, o que vem cristalizando o cuidado como uma notável fonte de endividamento, acentuando o fenômeno que denominei, junto com a antropóloga Guita Grin Debert (Unicamp), de <a href="https://www.scielo.br/j/ea/a/rWFgbfBMbFnVsXKrxtx7hYb/?format=html&lang=pt">financeirização da velhice</a>.</p>
<hr>
<p><em>Este artigo foi redigido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp, processo nº 2024/19.433).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268439/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Jorge Felix é presidente do conselho administrativo da Associação The Conversation Brasil.</span></em></p>OCDE destaca como a falta de informação compromete o sonho de “envelhecer em casa” e recomenda a ampliação de serviços de cuidado em domicílioJorge Felix, Presidente do Conselho Administrativo do The Conversation Brasil e Professor de Pós-Graduação em Gerontologia, Universidade de São Paulo (USP)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2674212025-11-04T05:29:21Z2025-11-04T05:29:21ZPor dentro do poder: Como pesquisar elites no Brasil<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/699797/original/file-20251031-56-wf3dks.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C735%2C810%2C540&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption">Além de mostrar privilégios luxuosos, livro revela como as pessoas que ocupam posições de poder percebem seu papel e atuam para influenciar os rumos do país.</span> <span class="attribution"><span class="source">Imagem gerada por Meta AI.</span>, <a class="license" href="http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/">CC BY</a></span></figcaption></figure><p>De <a href="https://www.instagram.com/p/DM2oD4gOXK0/">memes</a> a <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89lite#:%7E:text=%C3%89lite%20(estilizado%20como%20ELIT%C6%8E)%20%C3%A9,Madrona%20para%20a%20plataforma%20Netflix.">séries de streaming</a>, o interesse por elites — entendidas como os muito ricos e influentes — voltou a ocupar o <a href="https://piaui.folha.uol.com.br/por-que-os-ultrarricos-atraem-tanto/">debate público no Brasil e no mundo</a>. Em produções culturais recentes, há uma abordagem muitas vezes irônica sobre como vivem “os de cima”: o que consomem, onde moram e que valores cultivam. Geralmente, elas reforçam uma sensação de distanciamento entre o cotidiano de quem vive com uma renda ao redor da média e o universo de consumo ostentador, e até um tanto excêntrico, dos super ricos.</p>
<p>Nas pesquisas acadêmicas, esse interesse também cresce. Nos últimos anos, livros como <a href="https://todavialivros.com.br/livros/coisa-de-rico">Coisa de rico</a>, do antropólogo Michel Alcoforado, <a href="https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/quem-e-michel-alcoforado-o-autor-que-diz-ter-pena-dos-ricos-apos-se-infiltrar-entre-milionarios-nprec/?srsltid=AfmBOooZS_srHplcXavqR3CzLGOBLq8I33GOkdGa3Cgi3L_cAeR9ZFRz">despertaram atenção</a> ao descrever com humor e ironia os hábitos da elite econômica. Em um estilo etnográfico, Alcoforado observa os ricos em seu habitat natural. Essa linha de trabalho é importante por revelar como o consumo e o estilo de vida marcam fronteiras simbólicas entre classes sociais.</p>
<p>Mas o mundo da elite não é só riqueza, é essencialmente o mundo do poder. Esse é o foco do nosso novo livro <a href="https://brasilnocentro.com.br/como-pesquisar-elites-no-brasil-novo-livro-investiga-o-poder-politico-e-economico-no-pais/">Como pesquisar elites no Brasil</a>, lançado recentemente pela Editora FGV, que reúne diferentes abordagens e experiências de campo sobre o tema. </p>
<p>Nosso objetivo é mostrar como estudar elites ajuda a explicar as engrenagens que movem a política e a economia brasileiras. Para além de mostrar privilégios luxuosos, queremos entender como as pessoas que ocupam posições de poder percebem seu papel e atuam para influenciar os rumos do país. Em particular, como as elites avaliam diferentes formas de desigualdade e as políticas públicas disponíveis para reduzi-las.</p>
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<a href="https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="" src="https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=237&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=800&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=800&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=800&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=1005&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=1005&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/699783/original/file-20251031-76-glflj2.jpeg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=1005&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">Livro Como Pesquisar Elites no Brasil.</span>
<span class="attribution"><span class="source">Imagem: acervo pessoal.</span></span>
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<h2>Pesquisas anteriores</h2>
<p>Essa perspectiva dialoga com uma tradição de estudos sobre elites no Brasil. A <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Elisa_Pereira_Reis">socióloga política Elisa Reis</a>, coordenadora do <a href="https://niedifcs.net/">Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Desigualdade</a> (NIED) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é <a href="https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/nZdT88swJfMfx9t9ZQKQGCL/?lang=pt">pioneira nesse campo</a>. Desde os anos 1990 a pesquisadora publica trabalhos sobre o tema usando sondagens (surveys) e entrevistas em profundidade. Além de usarmos alguns dados de seus projetos, um dos capítulos do livro conta também com uma entrevista com a pesquisadora.</p>
<p>Em outras <a href="https://academic.oup.com/ser/article/20/2/489/5827737">pesquisas de nossa equipe</a>, que inspiraram boa parte das reflexões do livro, investigamos ocupantes de altos cargos no Executivo, no Legislativo e em grandes empresas. Estudar essas figuras centrais tem se mostrado útil para entender os rumos da política brasileira. Afinal, quem está no poder tende a influenciar os caminhos que a sociedade segue — e conhecer suas motivações ajuda a explicar por que certas decisões são tomadas.</p>
<p>Isso não significa, no entanto, aderir a teorias conspiratórias que imaginam uma elite onipotente controlando tudo. Como disse Karl Marx, “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem”. Frase que ele usou, aliás, ao <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/O_18_de_Brum%C3%A1rio_de_Lu%C3%ADs_Bonaparte">analisar justamente a ação de um membro da elite: Luís Napoleão</a>. </p>
<p>A questão é que elites também discordam entre si e cometem erros. Muitas vezes tomam decisões com base em interpretações equivocadas e agem de forma contrária aos seus próprios interesses. Para entender esses resultados — até os aparentemente contraditórios ou irracionais — é essencial investigar as percepções e estratégias desses atores no momento da decisão.</p>
<h2>Desafios de amostragem</h2>
<p>Porém, pesquisadores que se aventuram nesse campo enfrentam um obstáculo central: acessar seus interlocutores. Pessoas em posições de poder nem sempre estão dispostas a participar de pesquisas, seja por falta de tempo, por desconfiança, ou simplesmente por não verem vantagem em se deixar estudar. O desafio é ainda maior para quem deseja construir uma amostra probabilística — isto é, com um componente de sorteio para permitir generalizações estatísticas.</p>
<p>Uma das formas mais eficazes de enfrentar essa barreira é o uso de questionários padronizados, aplicados a grupos específicos da elite. No capítulo escrito por <a href="https://icso.udp.cl/investigador/matias-lopez/">Matias López, pesquisador da Universidade Diego Portales</a> (UDP), é discutido em detalhe como desenhar esse tipo de estudo. São combinadas duas etapas cruciais: a definição da amostragem (quem deve ser potencialmente incluído) e a construção do instrumento (como formular perguntas que realmente capturem percepções e valores). O autor analisa <a href="https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36950269/">metadados de diferentes projetos</a> e apresenta simulações que testam a eficácia desses métodos.</p>
<p>Por muito tempo, acreditou-se que as técnicas tradicionais de amostragem — amplamente usadas para estudar a população em geral — não funcionariam bem com elites. No entanto, os resultados mostram que, com as adaptações adequadas, essas metodologias podem sim oferecer retratos confiáveis do pensamento e das práticas de quem exerce poder no Brasil.</p>
<h2>Interações entre entrevistados e pesquisadores</h2>
<p>Outro desafio é a própria relação entre pesquisador e pesquisado. No capítulo das pesquisadoras <a href="http://lattes.cnpq.br/7885605727186925">Mariane Silva Reghim</a> e <a href="http://lattes.cnpq.br/2110273097086046">Gabriela de Brito Caruso</a>, é discutido como o gênero afeta o acesso a esses interlocutores e como as relações de poder entre pesquisador(a) e entrevistado(a) são moldadas por essas dinâmicas em um espaço tão masculinizado. </p>
<p>Já <a href="http://lattes.cnpq.br/6971618128488658">Débora Thomé</a>, pós-doutoranda da FGV, e <a href="https://www.silvamuller.com/">Livio Silva-Müller</a>, pós-doutorando de Harvard, exploram como a criatividade e a persistência se tornam ferramentas essenciais para realizar surveys com elites — sem perder o rigor necessário. Um exemplo que os autores dão é a caça a deputados enquanto mudam de uma comissão à outra.</p>
<p>Entrevistar elites significa, muitas vezes, lidar com resistências. Alguns entrevistados reformulam perguntas ou evitam se posicionar dentro de categorias pré-definidas. O paradoxo é interessante: muitos desses agentes usam pesquisas de opinião para embasar suas próprias decisões, mas se mostram desconfortáveis quando são eles os pesquisados. </p>
<p>Essa reação revela como parte da elite busca manter controle sobre o discurso a seu respeito, resistindo a ser descrita ou classificada. Débora Thomé também discute sobre suas experiências com essas questões, junto com <a href="https://www.graduateinstitute.ch/faculty/graziella-moraes-dias-da-silva">Graziella Moraes Silva</a>, professora do Graduate Institute, em Genebra. As pesquisadoras mostram exemplos reais vividos com alguns executivos (CEOs) de grandes empresas.</p>
<h2>Elites políticas - um caso à parte</h2>
<p>O livro explora diferentes segmentos da elite política, que nem sempre se percebem como tal. O capítulo de <a href="https://www.cis.puc-rio.br/web/index.php/pessoas/docentes/115-pessoas/professores/quadro-principal/1989-talita-sao-thiago-tanscheit">Talita São Thiago Tanscheit, professora da PUC-Rio</a>, por exemplo, discute o caso do Partido dos Trabalhadores (PT), cujos dirigentes muitas vezes rejeitam a etiqueta de “elite”, mesmo ocupando cargos de grande influência e poder decisório.</p>
<p>Já <a href="http://lattes.cnpq.br/8118133027127116">Caroline Caldas</a>, <a href="http://lattes.cnpq.br/0638434518106164">Thais Ferreira Rodrigues</a> e <a href="http://lattes.cnpq.br/7302099867351183">Maíne Souza</a> mostram um fenômeno inverso: quanto mais distante alguém está do topo da hierarquia governamental, maior a chance de se identificar como parte da elite.</p>
<h2>Uma ferramenta para estudar o poder</h2>
<p>Nossa proposta é oferecer ferramentas úteis para cientistas sociais que queiram entrevistar, etnografar ou até mesmo conduzir experimentos com elites, como mostram <a href="http://lattes.cnpq.br/5568703284507237">Marcela Machado</a> e <a href="http://lattes.cnpq.br/4396035484541642">Eduardo Barbabela</a>em seu capítulo. Esses tipos de estudos vêm crescendo nas ciências sociais brasileiras, mas ainda enfrentam muitas dificuldades práticas e teóricas.</p>
<p>O livro não pretende ser exatamente um manual, mas oferece um panorama abrangente e direto sobre os desafios de se desenhar e executar uma pesquisa com esse grupo de tão difícil acesso — e, ao mesmo tempo, tão central para entender as dinâmicas do poder no Brasil.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/267421/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Matias López recebe financiamento da Swiss Network for International Studies e do COES (Centro para el Estudio del Conflicto y Cohesión Social)</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Débora Thomé é pesquisadora associada do FGV Cepesp e chair da seção de Gênero e Política da IPSA - International Political Science Association.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Graziella Moraes Silva recebeu financiamento da Swiss National Science Foundation para realizar esse projeto (<a href="https://data.snf.ch/grants/grant/189037">https://data.snf.ch/grants/grant/189037</a>). A publicação também contou com o apoio do Geneva Graduate Institute, onde Graziella trabalha como professora no departamento de Antropologia e Sociologia e atua como co-diretora do Albert Hirschman Centre on Democracy. Graziella também é pesquisadora do Nucleo de Interdisciplinares de Estudos sobre Desigualdade da UFRJ.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Talita Tanscheit recebeu financiamento do Fonds National Suisse (FNS) para a realização desta pesquisa. Ela é integrante do diretório do centro de pensamento chileno Rumbo Colectivo.</span></em></p>Além de mostrar privilégios luxuosos, livro revela como as pessoas que ocupam posições de poder percebem seu papel e atuam para influenciar os rumos do país.Matias López, Pesquisador do Observatorio de Cohesión Social (COES) e Professor Assistente, Escola de Ciência Política, Diego Portales UniversityDébora Thomé, Doutora em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-doutoranda no Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Publico, Fundação Getúlio Vargas (FGV)Graziella Moraes Silva, Professora associada do Departamento de Antropologia e Sociologia, Graduate Institute – Institut de hautes études internationales et du développement (IHEID)Talita Tanscheit, Professora de Ciência Política do Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2680952025-11-04T05:26:17Z2025-11-04T05:26:17ZNo “Sagan Day”, uma revisita à série “Cosmos”, que completou 45 anos em 2025<p>Em abril de 2023, a astrônoma e astrofísica Makenzie Lystrup tornou-se a primeira mulher a dirigir o Centro de Voos Espaciais Goddard, um dos principais núcleos de pesquisas da Nasa. Este fato, por si só, poderia ser o bastante para que a astrofísica fosse vista como alguém a fazer história em sua área de atuação. Mas um detalhe chamou a atenção: em sua cerimônia de posse, ao fazer o tradicional juramento, <a href="https://revistagalileu.globo.com/sociedade/noticia/2023/04/nova-diretora-da-nasa-faz-juramento-com-livro-carl-sagan-em-vez-da-biblia.ghtml">Lystrup usou</a>, em vez da Bíblia, o livro “<em>Pálido ponto azul</em>”, do astrônomo e divulgador científico Carl Sagan. Nos Estados Unidos, é comum que pessoas façam um juramento com as mãos sobre obras simbólicas, tal qual a Bíblia (mais usual), o Corão ou a Constituição. Mas aquela era a primeira vez, ao menos a ser noticiada, que um livro de Sagan estava sendo usado. </p>
<p>Lystrup explicou que a homenagem a Sagan se devia à série televisiva <em>Cosmos</em>, que serviu para despertar sua paixão pela astronomia, e à importância de Sagan como alguém que se esforçou para tornar a ciência acessível ao público. O detalhe da citação a <em>Cosmos</em> possivelmente é o que explica certa conotação religiosa da cerimônia envolvendo o livro de Sagan como substituto da Bíblia. Com a aproximação do “<em>Sagan Day</em>” em 9 de novembro, que aproveita a data de seu aniversário para lembrar o legado do divulgador científico, vamos revisitar esta obra que manifesta uma visão poética e espiritualista da ciência e influenciou gerações de cientistas de várias áreas.</p>
<h2>Estreia em 1980</h2>
<p><em>Cosmos: uma viagem pessoal</em> estreou na TV dos EUA em 28 de setembro de 1980, há 45 anos. No Brasil, a série só seria exibida pela primeira vez pela Globo entre agosto e novembro de 1982. A primeira frase pronunciada por Sagan, no início do primeiro episódio é: “O Cosmos é tudo que existe, que já existiu e que sempre existirá”. A ideia de eternidade, de algo que transcende ao tempo, é semelhante à noção de Deus cunhada por algumas das principais religiões do mundo, como o próprio cristianismo. </p>
<p>Assim, por meio de uma linguagem poética e emotiva, Sagan, ao longo dos 13 episódios da série, <a href="https://sucupira-legado.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=7655503">deslocava a transcendência e espiritualidade características das religiões e as reposicionava no empreendimento científico</a>. Uma tática discursiva engenhosa, que se propõe a explicar como a ciência funciona, mais do que apenas mostrar suas descobertas. E que, paradoxalmente, exalta a razão por meio da emoção, de uma narrativa poética. Um reencantamento do mundo por meio da ciência</p>
<p>Essa tática funcionou. Estima-se que <em>Cosmos</em> tenha sido <a href="https://olhardigital.com.br/2025/01/26/cinema-e-streaming/cosmos-conheca-a-serie-sobre-astronomia-apresentada-por-carl-sagan/">exibida em 60 países e assistida por mais de 500 milhões de pessoas</a>. A série foi apontada como um marco da divulgação científica mundial pela grande popularidade alcançada ao traduzir conceitos complexos de forma compreensível para o público, e por ter <a href="https://www.nationalgeographic.com/science/article/140316-carl-sagan-science-galaxies-space/">influenciado gerações de cientistas</a>. Dentre eles, a própria Makenzie Lystrup. Trata-se, sem dúvidas, de uma das mais bem-sucedidas experiências de divulgação científica para o amplo público da TV no século 20.</p>
<figure class="align-center ">
<img alt="Imagem de dezenas de galáxias distantes de diversos formatos" src="https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=548&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=548&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=548&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=688&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=688&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/698455/original/file-20251024-66-rczv27.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=688&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px">
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<span class="caption">Imagem de longa exposição do telescópio espacial Hubble de uma região aparentemente ‘vazia’ do espaço, conhecida como Hubble Ultra Deep Field, revelou uma miríade de galáxias nos confins do Universo.</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://science.nasa.gov/asset/hubble/hubble-ultra-deep-field-2014/">NASA, ESA, H. Teplitz and M. Rafelski (IPAC/Caltech), A. Koekemoer (STScI), R. Windhorst (Arizona State University), and Z. Levay (STScI)</a></span>
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</figure>
<h2>Visão espiritualista da ciência</h2>
<p>Como bom divulgador científico, Carl Sagan recorria a elementos do cotidiano, familiares do grande público, para, a partir deles, introduzir conceitos e apresentar realizações da ciência. As religiões e crenças em geral foram parte significativa desses elementos. Na série, ora ele confrontava explicações religiosas e místicas com explicações científicas, valendo-se principalmente do conflito narrativo para dar movimento às sequências; ora emulava o discurso religioso criando um certo deslocamento de sentido, como citado.</p>
<p>Cosmos é um ícone da visão espiritualista que Sagan tinha da ciência. Essa visão pode ser melhor compreendida quando estudamos outras obras suas, como o livro “<a href="https://nerdking.net.br/wp-content/uploads/2018/07/O-Mundo-Assombrado-pelos-Demonios-Carl-Sagan.pdf"><em>O Mundo Assombrado Pelos Demônios</em></a>”], no qual afirma: </p>
<blockquote>
<p>“Espírito vem da palavra latina que significa ‘respirar’. O que respiramos é o ar, que é certamente matéria, por mais fina que seja. Apesar do uso em contrário, não há na palavra ‘espiritual’ nenhuma inferência necessária de que estamos falando de algo que não seja matéria (inclusive aquela de que é feito o cérebro), ou de algo que esteja fora do domínio da ciência. (…) A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza e a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de jubilo e humildade, é certamente espiritual. Como também são espirituais as nossas emoções diante da grande arte, música ou literatura, ou de atos de coragem altruísta exemplar como os de Mahatma Gandhi ou Martin Luther King. A noção de que a ciência e a espiritualidade são de alguma maneira mutuamente exclusivas presta um desserviço a ambas”. </p>
</blockquote>
<p>O título completo do livro – “<em>O Mundo Assombrado Pelos Demônios: A ciência vista como uma vela no escuro</em>” – demonstra uma outra característica de Sagan que marca a série <em>Cosmos</em>: uma certa perspectiva iluminista sobre ciência e história. Há em vários dos episódios da série uma polarização entre a Idade Média e a Idade Moderna. Sagan identifica o surgimento da ciência na Grécia Antiga, com a destruição da Biblioteca de Alexandria sendo o ponto de virada para o início de um declínio. O período medieval, por sua vez, representa esse declínio: um longo hiato do pensamento e desenvolvimento científicos, provocado pelo autoritarismo da religião e pelo misticismo. Assim, ele reproduz a narrativa iluminista, que se propôs como a luz em contraposição à Idade das Trevas (o medievo).</p>
<p>Essa narrativa a respeito da Idade Média como um período sombrio, no entanto, começou a ser significativamente contestada na segunda metade do século 20. O trabalho de historiadores como Jacques Le Goff aponta que o período <a href="https://www.estadao.com.br/cultura/jacques-le-goff-foi-decisivo-para-o-estudo-da-idade-media/?srsltid=AfmBOooL9Geshka8zR6yVWCYCbPbvhqgxJafEQfYBhzvpk3sQnRHTmRh">também teve muitos avanços culturais, religiosos, sociais e intelectuais</a>. </p>
<h2>Continuações no século 21</h2>
<figure class="align-center zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="" src="https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=439&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=439&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=439&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=551&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=551&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/698453/original/file-20251024-56-d6cefj.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=551&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">O astrofísico Neil deGrasse Tyson com a viúva de Sagan, Ann Druyan, e o produtor executivo Seth MacFarlane em 2014 durante evento do lançamento da primeira das continuações da série original, ‘<em>Cosmos: uma odisseia no espaço-tempo</em>’</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://newsroom.ap.org/detail/FOXWinterTCA/b784856edfbc49bc9fd23b8c4e38ad97/photo?vs=false">Invision/AP</a></span>
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<p><em>Cosmos</em> ganharia uma continuação em 2014. Desta vez, a série seria apresentada pelo astrofísico Neil deGrasse Tyson. Essa segunda versão – “<em>Cosmos: uma odisseia no espaço-tempo</em>” –, assim como a primeira, é composta por 13 episódios. Por conta da mítica da série original, que só fez crescer ao longo de então 34 anos, a nova versão foi exibida pelo canal NatGeo logo em sua estreia já em 170 países, e precedida por um vídeo do então presidente americano Barack Obama. Nele, Obama falou sobre o espírito de “sonhar alto”, “de descoberta” que Sagan sintetizara na versão original. </p>
<p>A <em>Cosmos</em> de Tyson - um ex-aluno de Sagan e também já um conhecido divulgador científico - <a href="https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2014/04/ann-druyan-revela-que-negou-serie-cosmos-a-tres-emissoras-para-proteger-legado-de-carl-sagan-4463694.html">bateu recorde de maior lançamento global da história da TV</a>. Essa continuação foi escrita novamente pela pesquisadora e divulgadora Ann Druyan, viúva da Sagan, e pelo físico Steven Soter, ambos coautores da versão original, juntamente com Sagan.</p>
<p>O próprio presidente americano apresentando o lançamento da série não foi à toa, e revela o peso da obra para a cultura daquele país. Vale lembrar que o livro “<em>Cosmos</em>”, escrito por Sagan e que inspirou a série de TV, <a href="https://www.loc.gov/item/prn-13-005">foi incluído pela Biblioteca do Congresso americano</a> na lista dos 88 livros que deram forma aos Estados Unidos (“<em>88 Books That Shaped America</em>”, 2012). Na mesma lista estão obras como “<em>O Caminho da Riqueza</em>”, de Benjamin Franklin; “<em>Pragmatismo</em>”, de William James; e “<em>O Mágico de Oz</em>”, de L. Frank Baum. </p>
<p>Neil deGrasse Tyson apresentaria ainda a terceira temporada da série, “<em>Cosmos: mundos possíveis</em>”. Lançada em 2020 novamente pela NatGeo, ela <a href="https://revistagalileu.globo.com/Cultura/Series/noticia/2020/06/cosmos-mundos-possiveis-traz-olhar-otimista-sobre-futuro-da-humanidade.html">foi transmitida para 172 países, em 43 idiomas</a>. Escrita, dirigida e produzida por Ann Druyan e Brannon Braga, “<em>Cosmos: mundos possíveis</em>” contou ainda com os produtores executivos Seth MacFarlane (criador de <em>Family Guy</em>, animação mais conhecida no Brasil como “<em>Uma família da pesada</em>”) e Jason Clark.</p>
<p>Assim como as versões anteriores, essa terceira temporada também conta com 13 episódios e manteve formato narrativo bem semelhante às de 2014 e 1980, ressalvados os avanços tecnológicos do audiovisual ao longo de quatro décadas. As <a href="https://sistemas.intercom.org.br/pdf/link_aceite/nacional/11/0816202309133064dcbd6a5d805.pdf">dualidades</a> envolvendo ciência e religião se tornaram menos constantes na temporada de 2020 se comparada às anteriores. Permaneceu, entretanto, uma narrativa com muita história e filosofia que preza pela popularização do pensamento científico e faz um apelo humanista ao uso da razão na preservação do planeta e de nós mesmos.</p>
<hr>
<p><em>A publicação deste artigo foi financiada pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268095/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Alexandre Freitas Campos não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Apresentada pelo astrônomo Carl Sagan, a obra manifesta uma visão poética e espiritualista da ciência e influenciou gerações de cientistas de várias áreasAlexandre Freitas Campos, Pesquisador, doutorando em História no Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2688782025-11-04T05:11:16Z2025-11-04T05:11:16ZVozes indígenas na COP30: a Amazônia fala - mas o mundo irá ouvi-la?
<p>Pela primeira vez na história das conferências climáticas da ONU, a COP30 será realizada em uma floresta tropical. O presidente Lula da Silva descreveu esse local simbólico como uma mensagem política clara: o mundo deve ouvir a Amazônia e seu povo. Sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acrescenta que a floresta pode “<a href="https://climateglobalnews.com/brazil-is-formally-elected-as-the-host-country-for-cop30/">nos mostrar o caminho</a>”.</p>
<p>É uma medida bem-vinda e há muito esperada para aproximar os povos indígenas e as comunidades locais das negociações climáticas. As sociedades tradicionalmente organizadas e suas instituições, na Amazônia e em todo o mundo, desempenham um papel crucial na adaptação climática, na conservação da biodiversidade e na proteção ambiental. Os delegados ocidentais em Belém fariam bem em ouvi-los.</p>
<h2>Defendendo a governança policêntrica e coletiva</h2>
<p>Os territórios indígenas na Amazônia apresentam consistentemente <a href="https://www.nature.com/articles/s41893-021-00815-2">taxas de desmatamento mais baixas</a> e maior armazenamento de carbono do que as terras vizinhas, funcionando como sistemas eficazes de mitigação do clima. Para proteger seus meios de subsistência e suas florestas, as comunidades indígenas desenvolveram sofisticados sistemas de governança territorial baseados em redes descentralizadas que ligam as autoridades locais a federações regionais, grupos da sociedade civil, pesquisadores e governos subnacionais. Operando em várias escalas, essas parcerias fortalecem a resiliência e a continuidade da gestão territorial.</p>
<p>Essas <a href="https://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.4324/9781315254210-18/polycentric-systems-coping-collective-action-global-environmental-change-elinor-ostrom">estruturas policêntricas</a>, com vários centros de autoridade sobrepostos, permitem que os atores locais se auto-organizem e tomem decisões autônomas. Diferentes comunidades indígenas colaboram com parceiros externos para proteger ambientes sob pressão.</p>
<h2>Os Ashaninka da Terra Indígena Kampa do Rio Amônia</h2>
<p><a href="https://csgs.kcl.ac.uk/crises-of-the-commons-elinor-ostroms-legacy-of-self-governance/">Elinor Ostrom</a> foi a primeira mulher e cientista política a ganhar o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas. Ao elaborar seus <a href="https://earthbound.report/2018/01/15/elinor-ostroms-8-rules-for-managing-the-commons/">princípios</a> sobre como gerenciar de forma sustentável recursos de uso comum, como florestas ou corpos d'água, Ostrom poderia muito bem ter ilustrado seu famoso <a href="https://www.cambridge.org/core/books/governing-the-commons/A8BB63BC4A1433A50A3FB92EDBBB97D5">livro</a> com o caso <a href="https://www.scientificamerican.com/article/this-amazonian-indigenous-group-has-lessons-in-sustainable-living-for-all-of-us/">dos Ashaninka</a>.</p>
<p>Por volta do final do século XIX, um pequeno grupo de Ashaninka deixou a Selva Central peruana e se estabeleceu <a href="https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3716">ao longo do Rio Amônia</a>, na região do Alto Juruá, no Brasil. Ao chegarem, foram submetidos a um sistema de peonagem e quase escravidão, trabalhando para os patrões locais. Após décadas de resistência e luta, seu território foi oficialmente demarcado pelo governo brasileiro em 1992.</p>
<p>Naquela época, aproximadamente 30% dos cerca de 87.000 hectares de terra haviam sido desmatados, principalmente para a criação de gado e a extração de madeira por colonos não indígenas. Desde então, os Ashaninka empreenderam amplos esforços de reflorestamento e, atualmente, apenas cerca de 0,5% de seu território permanece sem cobertura florestal, limitado principalmente a áreas de moradia e pequenos roçados. Seu notável trabalho de restauração ambiental foi reconhecido internacionalmente, rendendo-lhes o Prêmio Equador em 2017 e o Prêmio Newton em 2018.</p>
<p>Antes presos a sistemas de dívida e dependência, e resistindo durante séculos ao avanço de invasores, os Ashaninka do Brasil agora estão entre os líderes ambientais do mundo. Em novembro deste ano, eles chegarão à COP 30 em Belém não como vítimas da história, mas como protagonistas e visionários. Eles trazem consigo as vozes da floresta, a memória da luta e um apelo à mudança.</p>
<p>Os Ashaninka demonstram como uma instituição e um sistema de governança focados na autossuficiência, na construção de consenso, nos interesses coletivos e em mecanismos de gestão compartilhada podem ser eficazes para governar bens comuns. Como a parceria com organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa, organizações internacionais e órgãos do governo local (por exemplo, para coordenar a vigilância, o mapeamento participativo, o gerenciamento comunitário de incêndios e a comercialização de produtos florestais não madeireiros) pode ajudar a desacelerar a extração ilegal de madeira, a mineração e o crime organizado.</p>
<h2>Adaptação às realidades locais</h2>
<p>Em vez de simplesmente culpar os responsáveis pelas mudanças climáticas, os Ashaninka vêm adotando medidas eficazes de adaptação ao clima. Melhoram o acesso à água, promovem o gerenciamento eficaz de incêndios, criam sistemas de alerta precoce, protegem sementes nativas que são resistentes à seca, avaliam sinais florestais para prever ameaças climáticas e estabelecem <a href="https://believe.earth/en/benki-piyako-sustainability-from-indigenous-knowledge/">centros de treinamento</a> para promover práticas agroflorestais.</p>
<p>Como os impactos ambientais se manifestam em escala local, o conhecimento específico de cada território é essencial. Por meio da interação intergeracional com suas terras, as populações indígenas monitoram os sinais sazonais, os ciclos hidrológicos, as condições do solo e o comportamento das espécies. São capazes de detectar mudanças ambientais muito antes que os dados de satélite ou os modelos climáticos as registrem.</p>
<p>Uma iniciativa importante a ser lançada em Belém é o <a href="https://news.mongabay.com/2025/09/brazil-leads-push-for-novel-forest-finance-mechanism-ahead-of-cop30-summit/">Fundo de Financiamento para Florestas Tropicais</a> (TFFF), que tem como objetivo levantar US$ 125 bilhões para conservar as florestas que absorvem carbono. Para evitar os <a href="https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/24694452.2019.1707642?utm_source=chatgpt.com#d1e323">erros</a> de mecanismos financeiros anteriores, o TFFF deve colocar as comunidades indígenas no centro de sua governança. Elas são as principais detentoras do conhecimento das condições socioecológicas regionais, e o passado demonstrou que abordagens uniformes de conservação raramente funcionam. As populações indígenas ajudam a traduzir e reavaliar continuamente a ação climática para garantir que ela se alinhe aos contextos ecológicos, políticos e culturais locais.</p>
<p>Sistemas tradicionais de governança adaptam regras amplas de conservação às realidades locais, por exemplo, definindo quais áreas podem ser usadas sazonalmente e quais devem permanecer intocadas. Isso garante que a proteção não comprometa a vida cotidiana e <a href="https://interactive.carbonbrief.org/carbon-offsets-2023/mapped.html">os meios de subsistência locais</a>. Para que o financiamento climático seja bem-sucedido, as comunidades indígenas devem ser capazes de adaptar os esquemas de financiamento às suas próprias tradições de compartilhamento e tomada de decisões. Essa autodeterminação local ajuda a evitar tensões redistributivas e torna as iniciativas mais sustentáveis.</p>
<p>As autoridades indígenas adaptam os programas externos para que se ajustem às relações sociais e ecológicas da comunidade, transformando políticas distantes em arranjos duradouros e ajustados à realidade local. Cabe ao mundo ocidental apoiar instrumentos de financiamento de ecossistemas concebidos pelas próprias instituições indígenas, como o <a href="https://fundopodaali.org.br/">Podáali</a>.</p>
<p>Francisco Piyãko, um dos líderes da comunidade Ashaninka Apiwtxa, nos lembra: </p>
<blockquote>
<p>A sensibilidade da floresta precisa ser compreendida. Os povos indígenas devem ser ouvidos sobre o que já conhecem sobre a natureza. Para dizer o que deve ser feito, o que pode e o que não pode. Porque tem sim como preservar e como proteger a Amazônia.</p>
</blockquote>
<p>Wewito Piyãko, irmão de Francisco e também líder Ashaninka, complementa: </p>
<blockquote>
<p>Quando as coisas são planejadas apenas de lá para cá, quando chegam aqui, elas não correspondem à nossa realidade. Nossa realidade é diferente. Portanto, precisamos pensar juntos, para podermos dizer: Olha, isso se encaixa, isso não.</p>
</blockquote>
<h2>Coprodução de conhecimento</h2>
<p>Na Amazônia, a pesquisa conjunta sobre práticas tradicionais de enriquecimento do solo, como a <a href="https://www.science.org/content/article/ancient-amazonians-created-mysterious-dark-earth-purpose">terra preta</a> ou sistemas agroflorestais complexos conhecidos como <a href="https://www.mdpi.com/2077-0472/15/8/830">chagras</a>, pode ampliar as soluções sustentáveis para sequestrar <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S001670371100144X?utm_source=chatgpt.comhttps://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S001670371100144X?utm_source=chatgpt.com">carbono</a>, apoiar <a href="https://news.mongabay.com/2025/07/indigenous-knowledge-agroecology-must-be-at-the-center-of-food-system-transformation-commentary/?utm_source=chatgpt.com">a produção de alimentos</a> e aumentar a resiliência climática. Em toda a Amazônia, encontramos a terra preta, solos férteis de origem antrópica formados por antigas populações indígenas através do acúmulo de matéria orgânica e carvão vegetal. Esses solos mostram que os povos indígenas não apenas preservaram os ecossistemas, mas também aumentaram ativamente sua fertilidade ao longo de milênios. </p>
<p>Essa coprodução de conhecimento aprimora a mitigação global ao gerar dados mais precisos e relevantes no contexto das comunidades e ao identificar estratégias de resiliência climática efetivas. Ela também fortalece a legitimidade e o poder de negociação dos representantes indígenas, permitindo que influenciem a elaboração de políticas ambientais e garantam que as medidas climáticas sejam eficazes localmente. </p>
<p>Wewito Piyãko resume a questão em poucas palavras: </p>
<blockquote>
<p>Se a ciência nos ouvisse e uníssemos forças para fazer o trabalho juntos da maneira que pensamos, acredito que poderíamos realizar muitas coisas boas.</p>
</blockquote>
<h2>Difusão de ontologias indígenas</h2>
<p>A comunidade internacional precisa criar espaços onde as filosofias indígenas, fundamentadas na relacionalidade e na reciprocidade, possam circular pelos contextos local, nacional e global. Essas esferas de decisão interligadas permitem que os detentores de conhecimento indígena não apenas participem, mas influenciem a maneira como as sociedades entendem o relacionamento dos seres humanos com a natureza.</p>
<p>Se as delegações estiverem dispostas a ouvir em Belém, poderão reconsiderar suas visões de mundo extrativistas em favor de perspectivas baseadas na interdependência. A difusão de ontologias indígenas já está remodelando o pensamento jurídico e político, por exemplo, por meio de disposições de direitos da natureza.</p>
<p>Essas ideias tomam forma concreta nas práticas e cosmologias diárias dos povos amazônicos. Como muitos outros povos ameríndios, os Ashaninka se relacionam com a floresta por meio da cooperação e da interdependência com seres não humanos. Para eles, a floresta é habitada por lugares que têm seus próprios seres guardiões, cada um com agência, história e laços de parentesco. Esses seres devem ser respeitados e tratados com respeito. Essa forma relacional de viver com a floresta garante que os Ashaninka colham apenas o estritamente necessário para sua subsistência, evitando a exploração predatória dos recursos. </p>
<p>O sistema tradicional de troca ayõpare, por exemplo, prevê que a vida comunitária deve ser orientada por princípios que transcendem o comércio material, enfatizando relacionamentos baseados no respeito mútuo e na reciprocidade. Com base nesse princípio, a <a href="https://believe.earth/en/benki-piyako-sustainability-from-indigenous-knowledge/">Cooperativa Ayõpare</a> Ashaninka só comercializa produtos cultivados de forma sustentável. Eles comercializam esses produtos apenas com não membros da comunidade que também compartilham os valores e as metas dos Ashaninka.</p>
<h2>“Faça desta COP uma COP indígena!”</h2>
<p>Perguntado sobre sua expectativa para a próxima conferência climática, Wewito Piyãko é muito claro: </p>
<blockquote>
<p>Seria importante que a COP30 ouvisse a voz da Amazônia. Porque às vezes eles ficam apenas entre autoridades, parlamentares e governos, e não ouvem realmente aqueles que vivem na Amazônia - aqueles que são a Amazônia.</p>
</blockquote>
<p>As comunidades indígenas ouvem suas florestas. Os governos nacionais e os negociadores ocidentais devem dar atenção às suas preocupações.</p>
<p>Belém tem nas mãos uma oportunidade única e histórica de transformar esta conferência climática na primeira COP verdadeiramente indígena.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268878/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Cristiana Bertazoni recebe financiamento da Deutsche Forschungsgemeinschaft – DFG. Desenvolve a pesquisa Mapeando a paisagem sagrada Ashaninka com a comunidade Ashaninka Apiwtxa no Acre, Brasil. </span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Tim Wegenast recebeu financiamento da Deutsche Forschungsgemeinschaft (DFG). </span></em></p>Os povos indígenas desempenham um papel crucial na adaptação climática, na conservação da biodiversidade e na proteção ambiental. Belém oferece uma oportunidade histórica de tornar esta conferência climática uma “COP indígena”.Cristiana Bertazoni, Pesquisadora do Departamento de Antropologia das Américas, University of BonnTim Wegenast, Senior researcher (Development Studies), University of KonstanzLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2688582025-11-03T02:15:20Z2025-11-03T02:15:20ZTrégua bilateral entre EUA e China deixa países como o Brasil em posição de vulnerabilidade estratégica<p>A reunião entre Donald Trump e Xi Jinping, realizada em 30 de outubro, na cidade sul-coreana de Busan, marcou o <a href="https://www.reuters.com/world/us/live-trump-xi-meet-south-korea-trade-2025-10-30/">fim de meses de tensões comerciais e a retomada de um diálogo direto entre as duas maiores economias do mundo</a>. O acordo, celebrado como “incrível” pelo presidente norte-americano, inclui a suspensão por um ano das restrições chinesas à exportação de terras raras e a redução das tarifas dos Estados Unidos sobre produtos desse país. Também prevê novas compras, por parte da China, da soja americana e a <a href="https://abcnews.go.com/Business/us-china-deal-means-rare-earths-soybean-farmers/story?id=127028309">reabertura de negociações sobre a presença da rede social TikTok nos Estados Unidos</a>.</p>
<p>Embora o encontro tenha sido apresentado como um passo em direção à estabilidade, seus efeitos imediatos favorecem exclusivamente Washington e Pequim — e deixam países intermediários, como o Brasil, em uma posição de vulnerabilidade estratégica. Ao estabelecer uma trégua bilateral, as duas potências <a href="https://www.cnbc.com/2025/10/30/trump-xi-south-korea-rare-earth-tariff-trade-war-nvidia.html">reduzem o espaço de manobra para economias emergentes que vinham se beneficiando da rivalidade sino-americana</a>, especialmente no setor agrícola e tecnológico.</p>
<p>O Brasil havia conseguido ampliar suas exportações de soja e minério de ferro durante os períodos de escalada tarifária entre Estados Unidos e China, tornando-se o <a href="https://www.reuters.com/commentary/breakingviews/chinas-brazil-ties-are-sown-beyond-soybeans-2025-10-27/">principal fornecedor de</a><a href="https://www.reuters.com/commentary/breakingviews/chinas-brazil-ties-are-sown-beyond-soybeans-2025-10-27/">commodities</a> <a href="https://www.reuters.com/commentary/breakingviews/chinas-brazil-ties-are-sown-beyond-soybeans-2025-10-27/">para o mercado chinês</a>. </p>
<h2>China pode voltar a comprar soja dos EUA</h2>
<p>Essa vantagem, construída sobre a tensão alheia, começa a se dissolver com o novo pacto. Se a China voltar a comprar grandes volumes de soja dos Estados Unidos, como prometido por Trump, <a href="https://www.foxbusiness.com/politics/trump-secures-china-agreement-buy-millions-tons-us-soybeans-bessent-says-after-xi-meeting">parte significativa da demanda que sustentava o superávit comercial brasileiro pode desaparecer em poucos meses</a>.</p>
<p>Essa mudança tende a pressionar os preços internacionais e reduzir a margem de lucro do agronegócio brasileiro, que já enfrenta desafios logísticos e climáticos. O país pode ser forçado a buscar novos compradores em mercados menos rentáveis ou a aceitar condições menos favoráveis em contratos futuros. Por outro lado, <a href="https://www.argusmedia.com/es/news-and-insights/latest-market-news/2669552-us-tariffs-to-slash-brazil-s-steel-exports-output">a redução temporária das tarifas norte-americanas sobre produtos chineses enfraquece a competitividade de exportações brasileiras de manufaturados e semimanufaturados</a>, sobretudo em setores como o aço, a celulose e os equipamentos elétricos.</p>
<p>O impacto, contudo, vai além do comércio de produtos primários. A suspensão chinesa das restrições às exportações de terras raras — insumos indispensáveis para a fabricação de baterias, turbinas e semicondutores — tem efeitos geopolíticos de longo alcance. </p>
<p>O Brasil, que vinha tentando atrair investimentos para desenvolver sua própria indústria de minerais críticos, <a href="https://discoveryalert.com.au/news/us-brazil-rare-earth-strategic-discussions-2025/">perde tração diante da retomada de fluxos diretos entre os Estados Unidos e a China</a>. O “alívio” temporário entre as potências posterga qualquer esforço global por diversificação de fontes de abastecimento e <a href="https://www.mining.com/china-to-suspend-new-ree-export-controls-for-1-year/#google_vignette">reforça o duopólio tecnológico sino-americano</a>.</p>
<h2>Acordo isola o Brasil</h2>
<p>Do ponto de vista diplomático, o acordo de Busan isola o Brasil em um momento de redefinição das alianças internacionais. <a href="https://www.stimson.org/2025/2025-brics-summit-takeaways-and-projections/">O país tem buscado equilibrar sua política externa entre os BRICS e a aproximação com Washington, mantendo-se fiel ao discurso do multilateralismo</a>. No entanto, a trégua comercial bilateral enfraquece tanto o prestígio coletivo dos BRICS quanto a capacidade de mediação do Itamaraty. <a href="https://www.npr.org/2025/10/30/nx-s1-5590754/trump-china-xi-meeting-lowers-tariffs">Enquanto Trump e Xi trocam concessões diretas, fóruns multilaterais como a OMC ou o G20 tornam-se, até certo ponto, meros observadores</a>.</p>
<p>Outro efeito menos visível, mas igualmente preocupante, é o impacto sobre a transição energética. O Brasil vinha apresentando-se como potencial parceiro na produção sustentável de minerais estratégicos — como o nióbio e o lítio — em cooperação com a União Europeia e a Ásia. Entretanto, ao normalizar o fornecimento chinês de terras raras, <a href="https://www.aljazeera.com/economy/2025/10/30/trump-says-xi-agreed-to-one-year-trade-deal-after-amazing-talks">o pacto reduz o incentivo global à diversificação de fornecedores</a>, o que dificulta o avanço de cadeias latino-americanas de valor e atrasa a construção de um ecossistema industrial mais independente no hemisfério sul.</p>
<p>Para os <a href="https://edition.cnn.com/2025/10/30/economy/xi-trump-trade-deal-economy">Estados Unidos</a>, o acordo representa uma vitória tática: obtém alívio no preço das matérias-primas e abre espaço político interno antes das eleições. Para a <a href="https://www.nytimes.com/2025/10/29/world/asia/trump-xi-china-industrial-plan.html">China</a>, garante tempo para reorganizar sua produção e conter as reações às sanções ocidentais. Para o <a href="https://thediplomat.com/2025/06/has-brazil-given-china-too-much-economic-control/">Brasil</a>, porém, o resultado é menos animador. O país perde relevância como alternativa de abastecimento e vê sua posição comercial subordinada aos movimentos das duas superpotências.</p>
<h2>Brasília precisa repensar sua estratégia</h2>
<p><a href="https://www.theideasletter.org/essay/the-power-and-the-pragmatism/">O cenário obriga Brasília a repensar sua estratégia internacional</a>. Apostar apenas na diplomacia comercial, sem integração tecnológica e industrial, torna o país excessivamente dependente de fatores externos. O Itamaraty e o Ministério do Desenvolvimento precisarão articular uma <a href="https://www.riotimesonline.com/eu-and-brazil-forge-green-trade-pact-amid-looming-political-shifts/">agenda que combine política industrial verde, ampliação de acordos com a União Europeia (e/ou outros parceiros) e fortalecimento da cooperação regional</a>. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder muita relevância no <a href="https://www.ceps.eu/ceps-events/the-eu-brazil-partnership-for-the-green-energy-transition/">redesenho econômico global</a>.</p>
<p><a href="https://www.freepressjournal.in/business/trumpxi-summit-in-busan-raises-global-eyebrows-five-critical-decisions-could-change-the-future-of-trade-economic-power">No curto prazo</a>, o acordo de Busan reforça a estabilidade dos mercados e reduz as incertezas financeiras. Mas, <a href="https://www.imf.org/en/Publications/ESR/Issues/2025/07/22/external-sector-report-2025">a médio prazo</a>, acentua o desequilíbrio estrutural do sistema internacional: as grandes potências decidem, e os demais países se adaptam. </p>
<p>Para o Brasil, o desafio será transformar sua posição periférica em influência propositiva — aproveitando o papel no G20 e nos BRICS para propor novas <a href="https://brics.br/en/news/articles/artificial-intelligence-governance-in-brics-cooperation-and-development-for-social-inclusion">regras de governança comercial e tecnológica</a>.</p>
<p>A cordialidade de Busan pode significar um alívio momentâneo para o comércio mundial, mas também um aviso para as economias emergentes. Enquanto <a href="https://edition.cnn.com/2025/10/29/asia/us-china-trump-xi-meet-south-korea-intl-hnk">Trump e Xi desenham sua própria ordem bilateral</a>, países como o Brasil precisam escolher entre aceitar a marginalização ou investir em autonomia estratégica. O futuro da política externa brasileira dependerá da resposta a essa escolha.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268858/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>O acordo de Busan reforça a estabilidade dos mercados e reduz as incertezas financeiras. Mas, a médio prazo, acentua o desequilíbrio estrutural do sistema internacional: as grandes potências decidem, e os demais países se adaptam.Armando Alvares Garcia Júnior, Profesor de Derecho Internacional y de Relaciones Internacionales, UNIR - Universidad Internacional de La Rioja Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2688432025-11-03T02:08:13Z2025-11-03T02:08:13ZNovas drogas: baratas, “legais” e a um clique de distância<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/699813/original/file-20251023-56-mvt2w6.jpg?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C100%2C3600%2C2400&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption"></span> <span class="attribution"><a class="source" href="https://www.shutterstock.com/es/image-illustration/medicine-concept-computer-keyboard-pills-icon-1127489699">Maksim Kabakou/Shutterstock</a></span></figcaption></figure><p>Imagine poder comprar uma droga pela internet e recebê-la em casa pelo correio? Pois essa opção existe. E não apenas uma, mas centenas de drogas. Trata-se das chamadas novas substâncias psicoativas (NPS, na sigla em inglês), e sua presença não para de aumentar.</p>
<p>Essas substâncias são criadas com um objetivo muito claro: imitar os efeitos de outras drogas mais conhecidas, como maconha, cocaína, ecstasy (MDMA) ou LSD, mas <a href="https://www.unodc.org/LSS/Page/NPS">modificando ligeiramente sua estrutura química para contornar as leis existentes</a>. O fato de serem “legais” pode dar uma falsa sensação de segurança, mas nada mais longe da realidade: trata-se de substâncias pouco pesquisadas, sobre as quais as informações de segurança são, em grande parte, desconhecidas. Esse fenômeno é difícil de controlar porque muda constantemente: quando uma destas substâncias é proibida, já existem várias novas substâncias parecidas prontas para substituí-la.</p>
<h2>O tráfico de drogas se digitaliza</h2>
<p>Comprar drogas ilícitas normalmente implica conhecer alguém que as tenha e as venda, ou seja, “traficar” e se expor tanto a problemas legais quanto a situações de risco. Embora existam maneiras de adquiri-las pela internet de forma mais anônima e segura, isso implica saber acessar a <em>deep web</em> e lidar com criptomoedas.</p>
<p>Mas, com as NPS, as coisas mudam de figura. Por não serem exatamente “ilegais”, qualquer pessoa pode adquiri-las facilmente online. Basta um cartão de crédito e um endereço, <a href="https://amf-semfyc.com/es/web/articulo/nuevas-sustancias-psicoactivas-las-drogas-de-la-era-digit-l">como se fosse qualquer outro produto, e elas são enviadas para nossa casa</a>. Para isso, são utilizados os serviços de correios ou sistemas de logística internacional. Na etiqueta geralmente é impressa a advertência “não apto para consumo humano”, ou algo relativo a um produto comum, como “sais de banho”.</p>
<h2>“Sais de banho”</h2>
<p>Atualmente, a cocaína, a anfetamina e o MDMA enfrentam a concorrência de um grupo de substâncias que as imitam: as chamadas catinonas sintéticas ou “sais de banho”. São os <a href="https://energycontrol.org/pureza-adulteracion-espana/">estimulantes modernos mais populares na Espanha</a> e vieram para ficar.</p>
<p>Dentro dessa família, a mais popular é a mefedrona, que começou a ser vendida pela internet em 2007 como “MDMA legal”. Seus efeitos de euforia, maior apreciação pela música, empatia e uma leve estimulação sexual a tornaram popular nas noites de festa. Além disso, a duração de seus efeitos é mais curta, o que leva ao consumo repetido durante a mesma sessão, aumentando os riscos. Após sua proibição, <a href="https://canamo.net/otras-drogas/nuevas-sustancias/cuatro-tres-dos-ignicion">o ritmo de aparecimento de novas catinonas</a> que cobrem seu nicho de mercado tem sido elevado.</p>
<h2>As drogas dos festivais</h2>
<p>O que aconteceu há um ano no festival <em>Primavera Sound</em> de Barcelona? Com um clima melhor, os festivais de música costumam acontecer. E não é raro que, além do álcool e do tabaco, os participantes também procurem uma “pastilha” para “melhorar a experiência”. As mais comuns nesses contextos costumam ser drogas como o MDMA. Infelizmente, em um mercado desregulamentado como o das drogas ilícitas, esses comprimidos não passam pelos controles de qualidade que as drogas legais ou medicamentos passam. Isso faz com que a fraude na quantidade ou composição da droga seja uma prática comum no tráfico para reduzir custos, potencializar efeitos ou evitar consequências legais.</p>
<p>Nesse contexto, <a href="https://analyticalsciencejournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/dta.1610">as novas drogas são muito atraentes</a>: são mais baratas, fáceis de conseguir e, em muitos casos, ainda “legais”. Isso as torna uma <a href="https://energycontrol.org/labinforma-algo-esta-cambiando-catinonas-sinteticas-vendidas-como-mdma/">opção ideal para substituir substâncias tradicionais muito procuradas, como o MDMA</a>. Assim, quando uma droga popular escasseia, as novas drogas são usadas para <a href="https://canamo.net/otras-drogas/cuando-te-la-dan-con-queso-la-adulteracion-de-las-drogas">passar gato por lebre</a>.</p>
<p>Isso ocorreu no ano passado no <em>Primavera Sound</em> de Barcelona, um dos festivais de música mais importantes da Espanha. Um comprimido rosa e quadrado era vendido como se fosse MDMA. Mas, ao analisá-la no serviço estacionário da <a href="https://energycontrol.org/"><em>Energy Control</em></a>, descobriu-se que ela continha <a href="https://energycontrol.org/alertas/4-cmc-en-pastilla-de-mdma-8/">clefedrona</a>, uma catinona sintética que imita o MDMA. Isso significa que uma nova droga pode ter sido consumida sem o conhecimento dos usuários, o que aumenta os riscos à saúde.</p>
<h2>Além do tabu: falar sobre drogas para salvar vidas</h2>
<p>O consumo de estimulantes cresce a cada ano e, com ele, também sua produção. Assim, as catinonas se consolidaram no mercado para satisfazer uma demanda global crescente e cada vez mais estabelecida. </p>
<p>Cerca de <a href="https://www.unodc.org/unodc/press/releases/2024/June/unodc-world-drug-report-2024_%20-harms-of-world-drug-problem-continue-to-mount-amid-expansions-in-drug-use-and-markets.html">73 milhões de pessoas no mundo consumiram anfetaminas, cocaína ou ecstasy em 2022</a>. Isso mostra que o debate sobre um mundo “com ou sem drogas” ficou obsoleto: o consumo é uma realidade estabelecida.</p>
<p>Quando falamos dos perigos das drogas, costumamos pensar apenas no vício. No entanto, <a href="https://aprenderly.com/doc/3427658/abordaje-del-consumo-de-drogas--una-propuesta-de">a realidade é muito mais ampla</a>. Mesmo que não nos tornemos viciados, o consumo pode afetar nossa saúde física e mental, impactar o trabalho ou os estudos, afetar as relações pessoais e econômicas, entre outros problemas.</p>
<p>A maneira mais segura de evitar os riscos do consumo de drogas é não consumi-las. Mas se você decidir consumi-las, é fundamental conhecer os riscos e ter informações sobre como reduzi-los, porque ninguém sai para se divertir pensando em acabar no pronto-socorro. A informação salva vidas.</p>
<h2>O paradoxo do proibicionismo</h2>
<p>As políticas baseadas exclusivamente na proibição não conseguem reduzir o consumo, o tráfico ou os danos associados às drogas. Na verdade, podem ter o efeito contrário: favorecem o surgimento de novas substâncias concebidas para contornar a lei, mas sobre as quais sabemos ainda menos. Isto aumenta os riscos para a saúde de quem as consome. </p>
<p>Por isso, é necessário <a href="https://www.mdpi.com/2813-1851/3/2/18">quebrar o tabu e falar sobre drogas</a>. Não se trata de incentivar o seu consumo, mas de reconhecer uma realidade e apostar em estratégias baseadas na prevenção, na redução de danos e, em alguns casos, na <a href="https://transformdrugs.org/publications/how-to-regulate-stimulants-a-practical-guide">regulamentação de certas substâncias</a> sobre as quais já existe um conhecimento científico e médico sólido.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268843/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Martalu D. Pazos recebe financiamento através de uma bolsa de doutorado concedida pela Generalitat de Catalunya (AGAUR), 2023 FISDU 00182. Desde 2022, é voluntária no programa Energy Control de redução de riscos no consumo recreativo de drogas da organização sem fins lucrativos ABD - Asociación Bienestar y Desarrollo.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>David Pubill Sánchez não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>En estos momentos se venden por internet drogas sintéticas diseñadas para imitar los efectos de otras drogas más conocidas, como el cannabis, la cocaína o el éxtasis (MDMA), pero modificando ligeramente su estructura química para esquivar las leyes existentes.Martalu D Pazos, Investigadora predoctoral en neuropsicofarmacología de derivados anfetamínicos y otras nuevas sustancias psicoactivas del Departamento de Farmacología, Toxicología y Química Terapéutica, Universidad de Barcelona., Universitat de BarcelonaDavid Pubill Sánchez, Catedrático de Farmacología, Universitat de BarcelonaLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2680812025-11-03T02:07:20Z2025-11-03T02:07:20ZAnálise: Dados sugerem que o calendário eleitoral da disputa presidencial de 2026 foi antecipado<p>“O Brasil tem duas opções. Se você quer o Lula e o Maduro, fica com eles. Se quer a seriedade e a lei, fica conosco”. A declaração do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União-Brasil), pré-candidato à Presidência da República, é mais um sinal do que muitos têm apontado como uma antecipação indevida da campanha eleitoral de 2026.</p>
<p>Dois dias após a operação policial mais letal da história do Brasil e do Rio, Caiado foi à capital Fluminense com outros colegas manifestar apoio ao governador, Cláudio Castro (PL). A operação ganhou as manchetes e se transformou em oportunidade para governadores do campo da direita. </p>
<p>Na crônica política do país, contudo, outro episódio recente reforça a hipótese da antecipação da disputa do próximo ano. Na primeira semana de outubro, a Câmara dos Deputados deixou caducar a <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/10/08/camara-impoe-derrota-ao-governo-e-deixa-mp-que-aumenta-tributos-perder-a-validade.ghtml">Medida Provisória</a> que ampliava tributos sobre aplicações financeiras, bets e fintechs. Se aprovada, a MP contribuiria para o equilíbrio das contas do governo, com um aumento de arrecadação de até R$ 20,5 bilhões.</p>
<p>Após a derrota, lideranças do governo e analistas políticos apontaram a antecipação da disputa presidencial como a principal razão da decisão dos deputados – sobretudo daqueles que formam o Centrão, como o PL, Republicanos, PSD, PP e União Brasil. Na tribuna da Câmara, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), confirmou que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial candidato à Presidência,<a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/10/08/oposicao-agradece-tarcisio-por-articulacao-que-derrubou-mp-do-governo-que-aumentava-tributos.ghtml">trabalhou pela derrubada da MP</a>.</p>
<p>Embora as críticas sobre a antecipação do <a href="https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2025/Outubro/eleicoes-2026-outubro-marca-inicio-da-contagem-regressiva-para-celebracao-dos-30-anos-da-urna-eletronica">calendário eleitoral</a> tenha ganhado volume, elas parecem pouco esclarecedoras.</p>
<p>Em uma democracia representativa, é esperado que atores políticos trabalhem de olho no próximo ciclo eleitoral, e isso vale tanto para a oposição quanto para a situação. Ainda que o propósito do debate seja denunciar o quanto a disputa eleitoral antecipada prejudica o andamento do governo e a execução de políticas públicas, é justamente o horizonte eleitoral que impulsiona governo e oposição a agirem. Ambos procuraram responder às demandas das suas bases que, ao fim, também pode traduzir-se em ganhos político-eleitorais.</p>
<p>Nesse sentido, do ponto de vista prático, o argumento da antecipação eleitoral parece ter baixa validade, pois tanto o governo quanto a oposição se orientam pelas oportunidades político-eleitorais que identificam no curto e no médio prazos. Portanto, talvez a questão a ser examinada seja a frequência com que a disputa eleitoral é levada para a agenda do debate público, limitando a inclusão de outros temas e, por consequência, influenciando os atores políticos.</p>
<h2>Mais de 407 mil menções às eleições</h2>
<p>Para tentar responder a essa pergunta, ainda que de forma exploratória, coletamos dados de publicações em mais de 1,4 mil veículos digitais de imprensa entre 2011 e 2025 (até 16 de outubro). A busca consistiu em identificar reportagens, notas de colunistas, artigos de opinião, entre outros gêneros jornalísticos de veículos digitais que tenham mencionado “eleições ou reeleição” combinado com “presidencial ou presidente”, e que fizessem referência à Dilma, Temer, Lula, Bolsonaro, Aécio, Ciro Gomes ou Marina. </p>
<p>Antes, uma ponderação: os dados tendem a ser mais precisos quanto mais recentes, em razão da qualidade do sistema de busca e da indexação dos conteúdos.</p>
<p>Embora o debate eleitoral não ocorra exclusivamente na imprensa, ela é um termômetro que ajuda a compreender como o assunto circula entre as elites econômicas, partidárias e intelectuais do país. <a href="https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/10/congresso-trabalha-pensando-em-2026-nao-em-justica-economica-diz-haddad.shtml">A imprensa tanto pode estimular a agenda</a> ao propor pautas e análises sobre a reeleição presidencial, quanto também pode servir de canal para dar vazão aos argumentos e posições de partidos e lideranças. Diferentemente do calendário oficial das eleições definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é pela imprensa, portanto, que o calendário político informal da disputa se organiza.</p>
<p>O mapeamento identificou mais de 407 mil menções às eleições presidenciais entre 2011 e 2025 (até o início de outubro), das quais 26% estão concentradas em 2022. Como esperado, anos eleitorais tendem a inflacionar os dados, já que a imprensa se empenha em cobrir a agenda dos pré-candidatos, a campanha, as pesquisas e o dia da eleição. </p>
<h2>Lula 3 lidera no 1º e 2º ano de mandato</h2>
<p>Ainda considerando os dados absolutos, reorganizamos os casos por ano de mandato para examinar a frequência do tema “eleições” na imprensa. A primeira conclusão é que em números absolutos, o 1º e o 2º anos do mandato de Lula 3 apresentam mais menções às eleições presidenciais. </p>
<p>O 3º ano – véspera do período eleitoral – contudo, é liderado pelo mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais de 44,7 mil menções no ano de 2021 trataram de eleições presidenciais, mencionando o ex-presidente e/ou seus adversários. </p>
<p>É importante observar que essa frequência tem relação com eventos políticos significativos da história recente do país. Em 2019, Lula conseguiu a liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), fato que estimulou o debate sobre sucessão presidencial. No ano de 2021, o STF anulou os processos do ex-presidente na Operação Lava Jato, devolvendo a Lula seus direitos políticos. Quase imediatamente, a medida potencializou a discussão sobre a sucessão de Bolsonaro. </p>
<p>O grande número de menções à eleição presidencial de 2022 – mais de 107 mil casos – tem, por sua vez, relação com o ineditismo do caso. Pela primeira vez, um ex-presidente e um presidente da República disputaram o principal cargo político do país. </p>
<p>Talvez essa seja também uma das explicações para o alto número de menções no primeiro ano do mandato de Lula 3. Naquele ano, houve um total de 37 mil menções às eleições presidenciais, muito provavelmente influenciadas por dois fatores interligados. O primeiro como reflexo da acirrada disputa do ano anterior; o segundo por conta da decisão do TSE de tornar Bolsonaro inelegível até 2030, fato que despertou a discussão sobre a sucessão no campo da direita. </p>
<h2>Na distribuição relativa, Lula 3 lidera em todos os recortes</h2>
<p>Como dados absolutos tendem a distorcer os comparativos, já que são fortemente influenciados pelos contextos políticos, produzimos a distribuição relativa das menções, considerando cada ano de mandato de cada presidente. Exemplo: do total identificado durante o mandato de Lula 3, qual foi a distribuição proporcional para cada ano do seu governo? </p>
<p>Essa análise confirma a primeira conclusão: o 4º ano de mandato registra a maior proporção de menções em razão da intensificação da cobertura eleitoral pela imprensa no comparativo entre os mandatos de Dilma, Dilma/Temer e Bolsonaro. É possível que essa distribuição se repita em 2026.</p>
<p>A segunda conclusão é que o governo Lula 3 vem apresentando proporções superiores às dos demais presidentes nas menções às eleições presidenciais entre o 1º e o 3º anos de mandato. Até o início de outubro deste ano, o termo “eleições presidenciais” chegou a 22,5%, já superando o terceiro ano dos mandatos dos demais presidentes. Em outras palavras, se Bolsonaro bateu o recorde em valores absolutos para o 2º ano do mandato, a distribuição relativa mostra que a agenda da imprensa para o tema eleições presidenciais tem sido relativamente mais incisiva no mandato Lula 3.</p>
<p>Portanto, retomando a pergunta inicial, a resposta é sim: há evidências de que o Brasil vem antecipando o debate sobre a disputa presidencial, com uma intensificação de publicações que tratam desse tema ou assuntos correlatos. Uma hipótese explicativa para essa tendência foi a ascensão de uma direita e de uma extrema-direita competitiva, liderada por Jair Bolsonaro, assim como a retomada dos direitos políticos de Lula em 2021. </p>
<p>A capacidade de mobilização eleitoral dessas duas lideranças transferiu para o período entre eleições o debate que, normalmente, acontecia apenas em anos eleitorais. Do ponto de vista jornalístico, portanto, esses eventos e a disposição das elites políticas em falar sobre o tema potencializaram a disposição da imprensa em pautar e antecipar o debate sobre as eleições.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268081/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Fábio Vasconcellos não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.
</span></em></p>Mapeamento identificou mais de 407 mil menções às eleições presidenciais entre 2011 e o início de outubro de 2025. A antecipação do debate que acontecia apenas em anos eleitorais domina o debate público, limitando a inclusão de outros temas e influenciando os atores políticos.Fábio Vasconcellos, Doutor em Ciência Política, professor da PUC-Rio e da UERJ, pós doutorando do INCT/ReDem, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2685482025-11-03T02:06:59Z2025-11-03T02:06:59ZA ciência resistiu: o papel das universidades públicas brasileiras na pandemia<p>Em meio à negação, ao desmonte das políticas científicas e ao colapso sanitário que marcou o Brasil entre 2020 e 2022, as universidades públicas brasileiras e seus pesquisadores se tornavam protagonistas de uma das maiores mobilizações científicas da história recente do país. Enquanto o negacionismo se espalhava, a ciência brasileira se manteve firme, produzindo dados, vacinas, análises, soluções e ainda combatendo a desinformação científica.</p>
<p>A pesquisa intitulada <a href="https://www.scielo.br/j/aabc/a/F775wMBtTSnp5gJbCpghHKt/?format=pdf&lang=en">“Brazilian Public Universities’ Contributions to Global Covid-19 Research: Publications, International Collaboration, and Impact”</a> foi conduzida por nós cientistas do <a href="https://souciencia.unifesp.br/">Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência - Centro SoU_Ciência (Unifesp)</a> e acabou de ser publicada nos <a href="https://www.scielo.br/j/aabc/">Anais da Academia Brasileira de Ciências</a>. </p>
<p>O estudo elaborou indicadores bibliométricos com base em dados coletados do <a href="https://www.scopus.com/home.uri">Scopus</a> e do <a href="https://www.scival.com/landing">SciVal</a> e mensurou a resposta brasileira à pandemia em termos de número de publicações.</p>
<h2>Aumento de 152 vezes</h2>
<p>Os resultados mostram que mesmo diante de um cenário político e econômico adverso, em 2022, 5,9% de todas as publicações científicas brasileiras trataram da covid-19, proporção superior à média mundial, que foi de 4,8%. </p>
<p>Significa dizer que o esforço brasileiro para publicar artigos sobre esse tema excedeu o do resto do mundo. As universidades públicas responderam por dois terços dessa produção. A pesquisa também mostra que o índice de impacto das publicações brasileiras sobre o tema superou o de artigos semelhantes em nível global, algo inédito para um país como o Brasil.</p>
<p>Em 2019, havia 1.029 publicações sobre o tema coronavírus no mundo e 22 no Brasil. Em apenas dois anos, o tema tornou-se um dos assuntos mais investigados do planeta, atingindo 156.736 publicações em 2021, um aumento impressionante de 152 vezes.</p>
<p>A quantidade de artigos publicados pela comunidade científica mundial em resposta à pandemia torna-se evidente quando se compara a produção sobre o tema com outros importantes campos de pesquisa. O assunto superou tópicos consolidados como <a href="https://theconversation.com/topics/mudancas-climaticas-143431">mudanças climáticas</a> e tópicos emergentes como <a href="https://theconversation.com/topics/inteligencia-artificial-ia-145480">inteligência artificial</a> e só não ultrapassou as publicaçoes sobre <a href="https://theconversation.com/topics/cancer-145984">câncer</a>.</p>
<p>No Brasil o cenário foi ainda mais expressivo, a produção científica sobre covid-19 superou todos os outros grandes temas, inclusive o câncer. O esforço brasileiro em torno da pandemia revelou não apenas a capacidade de mobilização da comunidade científica nacional, mas também a importância estratégica da pesquisa em saúde pública no país.</p>
<h2>Cenário político</h2>
<p>O resultado seria notável em qualquer contexto, mas ganha dimensão histórica diante do cenário político da época. Durante o auge da pandemia, o então governo federal negava a gravidade da doença e <a href="https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2021/04/27/cpi-da-covid-governo-bolsonaro-recusou-11-vezes-ofertas-para-compras-de-vacina.ghtml">desacreditava as vacinas</a>, enquanto cientistas brasileiros se desdobravam em redes internacionais para gerar dados, testes e protocolos.</p>
<p>O estudo também aponta que, apesar dos excelentes resultados, o período foi marcado por <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4954322-governo-bolsonaro-corta-87-da-verba-para-ciencia-e-tecnologia.html">redução de investimentos públicos em ciência e tecnologia</a>. Desde a ruptura do processo democrático em 2016, o orçamento federal para pesquisa sofreu cortes significativos, afetando laboratórios, bolsas e programas de fomento.</p>
<p>Ainda assim, os cientistas brasileiros mantiveram um alto nível de produtividade e relevância internacional, demonstrando a força institucional e a capacidade de mobilização das universidades públicas.</p>
<h2>Soberania científica</h2>
<p>Nós, pesquisadores das Unifesp, <a href="https://ufrj.br/">UFRJ</a>, <a href="https://www.ufscar.br/">UFSCar</a> e <a href="https://fiocruz.br/">Fiocruz</a> destacamos que essa capacidade de resposta só foi possível graças ao investimento de décadas em pesquisa básica e na formação de pesquisadores. A pandemia mostrou que a ciência salva vidas e que, financiar a ciência mantendo um parque de equipamentos estado da arte se torna algo fundamental para a soberania nacional e a garantia da saúde pública.</p>
<p>Acreditamos que, de fato, a contribuição significativa do Brasil para a superação da pandemia deveu-se, em grande parte, aos investimentos em C&T realizados entre 2007 e 2014 não apenas pelo governo federal, mas também pelas 27 agências estaduais de fomento à pesquisa. Essas agências oferecem programas locais, bolsas de estudo e auxílios para apoiar o desenvolvimento de cientistas em seus respectivos estados.</p>
<p>Lembramos que o Brasil já havia mobilizado grande parte de sua capacidade científica e institucional em resposta a outras emergências sanitárias, como a epidemia de <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Epidemia_de_febre_zica_em_2015%E2%80%932016">zika vírus</a>, a <a href="https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dengue">dengue</a> e a <a href="https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/c/chikungunya#:%7E:text=Chikungunya%20%C3%A9%20uma%20arbovirose%20cujo,CHIKV">febre chikungunya</a>. Essas experiências contribuíram para o fortalecimento de redes de pesquisa, vigilância e inovação que se mostraram fundamentais na resposta à pandemia de covid-19.</p>
<h2>Colaborações com 205 países</h2>
<p>Para nós, este estudo é um retrato de resistência intelectual e institucional. Mesmo com recursos escassos, as universidades públicas articularam colaborações com 205 países em todos os continentes, tendo os Estados Unidos, Reino Unido e Itália como principais parceiros. A proporção de publicações em coautoria internacional sobre covid-19 foi maior do que a média brasileira em qualquer outro tema científico e o estudo mostra algumas tendências interessantes:</p>
<p>Entre os países que mais colaboraram com pesquisadores brasileiros em estudos sobre covid-19, os Estados Unidos e o Reino Unido se destacam, respondendo por 70% das publicações conjuntas. A Itália ocupa a terceira posição, seguida por Espanha, Alemanha, França e Portugal, refletindo o fato de a pandemia ter atingido a Europa antes das Américas. Nesse cenário, os pesquisadores europeus acabaram compartilhando dados precoces sobre o novo coronavírus com outros pesquisadores do mundo.</p>
<p>No total, 37,4% das publicações brasileiras sobre covid-19 envolveram colaboração internacional, superando a média de 34,9% observada em todas as áreas do conhecimento.</p>
<p>Além disso, o levantamento indica que 18 dos 22 países parceiros já tinham histórico de colaboração científica com o Brasil, evidenciando que relações estabelecidas anteriormente facilitaram a rápida articulação durante a pandemia.</p>
<h2>Falta fortalecer parcerias na América Latina</h2>
<p>No entanto, nosso estudo aponta que a comunidade científica brasileira precisa <a href="https://portal.sbpcnet.org.br/noticias/cooperacao-cientifica-na-america-latina/?">fortalecer seus laços de pesquisa com seus vizinhos</a>, que compartilham problemas sociais, econômicos, de saúde e ambientais semelhantes. Os <a href="https://www.abcd.usp.br/noticias/isi-relatorio-america-latina-2021/">países latino-americanos</a> não figuraram entre os 10 principais parceiros brasileiros para colaboração em pesquisa nem em temais gerais e nem sobre a covid-19.</p>
<p>Entre 2019 e 2023, 419.364 artigos foram publicados por autores brasileiros, dos quais 66,5% tiveram pelo menos um autor das 20 principais universidades. A <a href="https://www5.usp.br/">Universidade de São Paulo (USP)</a> liderou esse ranking.</p>
<h2>Rede viva de cooperação</h2>
<p>O trabalho revela ainda o valor social e estratégico da ciência pública. <a href="https://souciencia.unifesp.br/paineis-todos/universidadesemdefesadavida">As universidades e institutos de pesquisa brasileiros atuaram não apenas na geração de conhecimento, mas também na defesa da vida</a>. Em outras palavras, enquanto a política nacional isolava o Brasil, a ciência brasileira resistia, mostrando a força da sua comunidade.</p>
<p>O estudo expõe uma rede viva de cooperação científica que atravessou não apenas fronteiras, mas também subáreas de pesquisa. É fato que 65% das publicações brasileiras sobre covid-19 vieram das ciências da saúde, mas as ciências sociais e humanas também tiveram papel marcante, analisando os impactos psicológicos, econômicos e políticos da crise sanitária.</p>
<p>A crise global causada pela covid-19 intensificou questões como ansiedade, depressão e medo, além das questões relacionadas à covid longa, que continuam sendo estudadas até hoje. Um retrato multifacetado do país em colapso.</p>
<h2>Recado científico</h2>
<p>Mais do que celebrar o desempenho das universidades públicas durante a pandemia, nosso estudo é um chamado à responsabilidade política de garantir o futuro da ciência brasileira. Como o próprio trabalho demonstra, foi a ciência pública que ajudou o país quando o Estado falhou.</p>
<p>O alerta final é claro: sem financiamento estável e políticas de longo prazo, a resiliência demonstrada pode não se repetir em futuras crises globais, principalmente diante dos cortes que as universidades públicas continuam sofrendo. A ciência brasileira resistiu, mas precisa ser cuidada.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268548/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.</span></em></p>Os resultados mostram que mesmo diante de um cenário político e econômico adverso, em 2022, 5,9% de todas as publicações científicas brasileiras trataram da covid-19, proporção superior à média mundial, que foi de 4,8%.Débora Foguel, Professora Titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Biologia Estrutural e Bioimagem (INBEB)Karinne Marieta Carvalho, Pesquisadora do Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (Sou_Ciência) e da Fiocruz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)Leandro Innocentini Lopes de Faria, Professor do Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)Roniberto Morato do Amaral, Professor Associado do Departamento de Ciência da Informação, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)Soraya Soubhi Smaili, Professora Titular e Livre Docente de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); SOU_CIÊNCIALicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2688572025-11-03T01:43:41Z2025-11-03T01:43:41ZO massacre no Rio revela diferentes faces do abandono e da violência no País<p>Na tarde da última terça, a normalidade de um dia de trabalho foi interrompida por mensagens de amigos da Penha, no Rio de Janeiro, uma das regiões invadidas durante a megaoperação policial que aterrorizou a cidade por <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/sudeste/rj/confronto-em-megaoperacao-no-rio-durou-cerca-de-15-horas-diz-pm/">15 horas</a> e deixou <a href="https://www.poder360.com.br/poder-seguranca-publica/operacao-no-rio-supera-carandiru-e-se-torna-a-mais-letal-do-pais/">121 mortos</a>. </p>
<p>Convivi com alguns moradores do Complexo da Penha por 18 meses durante minha pesquisa de campo na região e recebi, de vários deles, mensagens sobre o horror que se espalhou pela cidade naquele dia. Numa delas, uma amiga e interlocutora de pesquisa dizia, sob voz fortemente emocionada: </p>
<blockquote>
<p>Priscilla, nos ajude, divulgue a situação da Penha e do Rio. Você foi lá, você viu; estamos abandonados. Não tem projeto social, investimento, educação. Não tem cultura.</p>
</blockquote>
<p>A chamada <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/28/operacao-contencao-forcas-de-seguranca-tentam-cumprir-mandados-de-prisao.ghtml">“Operação Contenção”</a> foi deflagrada logo nas primeiras horas da manhã. Pegou criminosos e moradores dos complexos da Penha e do Alemão de surpresa, deixando um rastro de medo, violência e morte que rapidamente se espalhou pelas ruas. </p>
<p>Ao contrário do que declarou Cláudio Castro, governador do Estado, a operação não foi um <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/operacao-no-rio-de-janeiro-foi-um-sucesso-diz-claudio-castro/">sucesso</a>. Foi mais um capítulo da brutalidade institucionalizada, em que a confiança na democracia e na justiça foi, mais uma vez, esvaziada pelo Estado. De forma perversa, a operação revelou a dimensão do abandono em que vivem os cidadãos das comunidades cariocas, mostrando como a violência é a língua dominante no Brasil.</p>
<h2>O abandono que gera violência</h2>
<p>Minha amiga tem razão: os setenta corpos que hoje estamparam as capas dos jornais e os 121 mortos na operação são o resultado amargo de anos de descaso social. É o balanço cruel da ausência de investimento em educação, cultura e oportunidades para milhões de brasileiros que vivem em comunidades no Rio e em todo o país. </p>
<p>Fala-se muito em “retomar o morro” e “acabar com o crime”, especialmente quando as eleições se aproximam. Afinal, dados mostram que essa é <a href="https://portalibre.fgv.br/noticias/seguranca-publica-na-agenda-eleitoral">uma das preocupações centrais da população</a>. Mas estamos mesmo diante de quê? </p>
<p>O que acontece no Rio é uma engrenagem antiga e complexa, em que o crime se alimenta das mais variadas formas de abandono do Estado para cooptar e, literalmente, formar <a href="https://www.mdpi.com/2075-4698/12/6/183">um exército de jovens</a>. Sem horizontes, eles se deslumbram com os chefes do tráfico, com suas armas, festas e mansões. Como me disseram na Penha: “os jovens são atraídos pela cultura do crime”.</p>
<p>Antes, igrejas, ONGs e projetos sociais desempenhavam um papel central no preenchimento do vazio deixado pelo Estado nas comunidades. Ofereciam serviços, assistência e, sobretudo, uma experiência de pertencimento e de sentido. Hoje, essas instituições competem com a estrutura e o capital simbólico do crime organizado; sua linguagem, seus gestos, sua estética, seus “valores”. Uma cultura que distorce ideias de coragem e resistência ao sistema, e seduz jovens com a promessa de dinheiro e poder. </p>
<p>O mecanismo lembra o que a filósofa <a href="https://www.taylorfrancis.com/books/mono/10.4324/9780203870112/political-chantal-mouffe">Chantal Mouffe observa</a> sobre os movimentos de extrema direita na atualidade: quando certas vozes são sistematicamente silenciadas no debate democrático, elas se radicalizam. No Rio, ao negar às comunidades seus direitos mais básicos, deixando-as à própria sorte, o Estado produziu o mesmo efeito. O crime se imbricou à vida cotidiana e passou a oferecer, sobretudo aos jovens, aquilo que o Estado não oferece: perspectiva de vida e pertencimento.</p>
<p>Nas comunidades cariocas, a convivência com o crime é uma via de mão dupla. Por um lado, o tráfico <a href="https://www.youtube.com/watch?v=QLGla2T0kc4">aterroriza</a>. São tiroteios quase diários entre facções rivais; moradores obrigados a pagar “pedágios” para ter acesso a serviços básicos como luz, internet ou gás de cozinha. Ruas com barricadas perigosas, paredes marcadas por tiros, pichadas com siglas da facção. </p>
<p>Por outro, meninos de 14 ou 15 anos que empunham fuzis e vendem drogas em barracas a céu aberto – como se fossem laranjas numa banca de feira – não são vistos como estranhos, nem como inimigos. São filhos de vizinhos, de amigos; são ex-colegas de escola. São primos, cunhados, irmãos, filhos da “mulher da oração”. Jovens que, como testemunhei no Complexo da Penha, cumprimentam com um “boa noite” ou “a paz [de Jesus]” os que passam pelas ruelas apertadas, enquanto exibem, pendurados no peito, balas e fuzis.</p>
<p>Para muitos moradores, esses jovens não são “o crime”. São meninos manipulados e seduzidos por um sistema que lhes promete dinheiro, poder, resistência e propósito, mesmo sabendo que, muito antes de conquistarem tais coisas, cairão nas mãos do Estado, presos ou mortos. É daí que nasce a revolta: o Estado, como o crime, oferece a mesma escolha: matar ou morrer.</p>
<h2>A violência como linguagem</h2>
<p>Ainda há muito a apurar sobre o que realmente aconteceu em Vacaria. Passado o choque, a mídia tem divulgado os detalhes do cerco policial aos criminosos. <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/30/imagens-mostram-traficantes-fortemente-armados-antes-de-megaoperacao-nos-complexos-do-alemao-e-penha.ghtml">Houve resistência armada às prisões?</a> Fala-se em rendições, em execuções. À medida que as versões se multiplicam, <a href="https://noticias.uol.com.br/colunas/raquel-landim/2025/10/30/por-que-o-muro-do-bope-nao-cercou-os-suspeitos-na-mata-ao-inves-de-atirar.htm">uma série de questionamentos começa a surgir</a>. Por que a área do massacre não foi protegida? Por que imagens e vídeos mostram corpos despidos e <a href="https://www.brasildefato.com.br/2025/10/31/pessoas-foram-degoladas-dizem-moradores-a-defensoria-publica-apos-massacre-no-rio-de-janeiro/">decapitações</a>?</p>
<p>Familiares alegam que foram impedidos de ajudar na rendição de seus filhos e no resgate dos corpos. <a href="https://www.metropoles.com/colunas/mirelle-pinheiro/rio-alguns-corpos-achados-em-mata-estavam-com-roupas-de-guerra">Dizem ter visto marcas de tortura nos mortos – mãos amarradas, tiros na nuca, facadas.</a> Há fotos e vídeos enviados por moradores mostrando corpos empilhados na mata, vestidos com paramentação semelhante à do exército brasileiro, mas sem sinais claros de tortura. </p>
<p>Outro vídeo, amplamente divulgado, mostra um grupo de traficantes se entregando pacificamente à polícia, que também parece agir de forma contida. Uma profunda guerra de narrativas entre a <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/30/parentes-de-mortos-em-megaoperacao-protestam-em-frente-ao-iml-e-fecham-via.ghtml">população, o poder público e a polícia</a> já começa a se desenhar.</p>
<p>Enquanto amigos e familiares dos mortos contestam as versões policiais, as perguntas permanecem: por que os corpos foram despidos quando colocados em praça pública? Por que a polícia não protegeu a cena do crime, deixando que o próprio Estado se encarregasse do resgate? Em breve, a polícia falará em violação da cena do crime, perda de evidência para as investigações e <a href="https://www.youtube.com/watch?v=2wp6MsNag0I">fraude processual</a>. No fim, será mais uma das muitas barbáries cuja verdade se perderá, enquanto narrativas tomam o lugar dos fatos, perpetuando a desconfiança no Estado e a sensação de impunidade e injustiça na sociedade.</p>
<p>Enquanto o país aguarda os resultados das investigações e lamenta o horror, nosso papel não pode ser outro senão pensar criticamente sobre cada uma dessas narrativas e sobre como a violência tem sido usada como linguagem tanto por criminosos quanto pelo Estado. </p>
<p>Se os criminosos aterrorizam o quotidiano dos moradores, o Estado o faz de forma velada e, nesse triste episódio, institucionalizou a morte pela segunda vez. A primeira, pela negligência, que mata social e simbolicamente; a segunda, por abrir fogo na comunidade, instaurando o terror e consumando a morte física.</p>
<h2>Até quando?</h2>
<p>Há uma frase célebre do crítico francês Alphonse Karr, do século XIX, que diz: quanto mais as coisas mudam, mais tudo permanece o mesmo. Após a sangrenta “operação”, <a href="https://www.youtube.com/watch?v=hvRHBkEyypw">traficantes já são vistos na cena do crime recolhendo armas</a>. As drogas já voltaram a ser vendidas e o “dono do morro da Penha”, o “Doca”, continua liderando, de seu esconderijo, protegido por seus “seguranças” armados. Nada mudou. E, como tem sido há décadas no Brasil, os mortos continuam servindo de discurso que manipula os vivos.</p>
<p>Como bem disseram minha amiga e tantos outros que conheci no Complexo da Penha, além de pesquisadores, o problema não é o tráfico somente, mas a negligência sistêmica do Estado. A violência que atinge os moradores vem das duas frentes – do crime e do poder público – e é a mesma: a de um país que aprendeu a conviver com o abandono e a banalizar seus horrores. Enquanto se disputa quem está certo ou errado neste terrível episódio, o que morre é o direito a uma vida digna.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268857/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Priscilla Garcia não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>O problema não é o tráfico somente, mas a negligência sistêmica do Estado. A violência que atinge os moradores vem das duas frentes – do crime e do poder público – e é a mesma: a de um país que aprendeu a conviver com o abandono e a banalizar seus horrores.Priscilla Garcia, Affiliated Researcher and Affiliated Lecturer in Social Anthropology, University of CambridgeLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2688222025-10-31T18:08:25Z2025-10-31T18:08:25ZEntre o Direito e o delírio punitivo: por que o traficante brasileiro não é um “narcoterrorista”<p>Os mais de 120 corpos do <a href="https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/29/moradores-levam-dezenas-de-corpos-para-praca-na-penha-apos-operacao-mais-letal-da-historia-do-rio.ghtml">maior massacre da história recente do Rio de Janeiro</a>, ocorrido sob o pretexto de “combater o terror” em 28 de outubro nas favelas do Alemão e da Penha, antes mesmo de serem identificados foram motivo de ressurgimento de uma retórica perversa: a tentativa de enquadrar o tráfico de drogas brasileiro como terrorismo. </p>
<p>Trata-se de uma formulação jurídica e politicamente perigosa, que busca alargar de modo arbitrário o conceito de terrorismo para legitimar ações de exceção e o uso desmedido da força estatal — num país já atravessado pela seletividade penal, pela criminalização da pobreza e pelo racismo institucional.</p>
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Leia mais:
<a href="https://theconversation.com/lula-na-onu-crime-organizado-nao-e-terrorismo-266090">Lula na ONU: crime organizado não é terrorismo</a>
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<p>No calor da tragédia e com evidentes intenções políticas, autoridades e parlamentares evocaram o modelo de El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele instituiu um <a href="https://veja.abril.com.br/mundo/el-salvador-o-cotidiano-do-pais-em-meio-ao-vale-tudo-de-bukele-contra-o-crime/">regime de encarceramento em massa </a> sob a bandeira do “combate às gangues”. A experiência salvadorenha, celebrada pela extrema direita global, tornou-se símbolo não de eficiência, mas de suspensão de direitos fundamentais. </p>
<p>Sob o pretexto de combater as <em>maras</em> — gangues urbanas historicamente enraizadas na pobreza e na exclusão social —, o governo salvadorenho decretou <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/ckg5x48lvr2o">estado de exceção permanente</a> desde março de 2022, restringindo direitos como o devido processo legal, a presunção de inocência e o direito de defesa. </p>
<p>Mais de 80 mil pessoas foram presas, muitas sem acusação formal, e o país converteu-se em ícone da “tolerância zero”, aplaudida pela extrema direita latino-americana. Não por acaso, tanto a <a href="https://www.oas.org/pt/cidh/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2024/207.asp&utm_content=country-slv&utm_term=class-ip">Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)</a> quanto o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos têm denunciado sistematicamente as violações desse modelo.</p>
<p>A tentativa de <a href="https://www.youtube.com/watch?v=RBwtXgs-NGE">importar tal paradigma para o Brasil</a> ignora que o Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição de 1988, veda expressamente medidas de exceção em matéria penal. A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13260.htm">Lei Antiterrorismo brasileira</a> (Lei nº 13.260/2016), aprovada sob forte vigilância internacional, define o terrorismo como a prática de atos motivados por extremismo político, ideológico ou religioso, com o propósito de provocar terror social ou generalizado. </p>
<h2>Classificação sugerida distorce direito internacional</h2>
<p>O tráfico de substâncias ilícitas, ainda que violento e estruturado, é um crime de natureza econômica, não política — e, portanto, não se enquadra nessa definição. Denominá-lo “terrorismo” não é apenas juridicamente errôneo: é politicamente maldoso. O rótulo abre espaço para a expansão da já existente militarização dos territórios periféricos — quase sempre habitados por população negra e pobre. Sob a fachada de combater o “inimigo interno”, o Estado se autoriza a violar o <a href="https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20Direitos%20Civis%20e%20Pol%C3%ADticos.pdf">Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966)</a> e <a href="https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/jurisprudenciaInternacional/anexo/STF_ConvencaoAmericanaSobreDireitosHumanos_SegundaEdicao.pdf">a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, 1969)</a>, ambos ratificados pelo Brasil, que proíbem detenções arbitrárias, execuções extrajudiciais e o uso desproporcional da força. A classificação como narcoterror não se esgota na dimensão legal ou de Justiça criminal: na prática, implica uma tácita autorização política para intervenções externas de natureza imperialista, em franco desrespeito à soberania nacional. </p>
<p>O Direito Internacional Humanitário, por sua vez, aplicável apenas a conflitos armados, tampouco legitima essa equivalência. O tráfico de drogas não constitui um ator político com comando unificado, ideologia ou objetivo de alcançar o poder estatal — elementos que caracterizam grupos insurgentes ou terroristas. Classificá-lo como tal é distorcer as bases do direito internacional para legitimar uma “guerra” interna de caráter racializado, sustentado no racismo institucional, em que as vítimas são sempre as mesmas: jovens negros e pobres das periferias urbanas deste país.</p>
<p>Pois foi justamente no ambiente de comoção e “confusão” conceitual premeditada que, em 28 de outubro, a ministra de Segurança da Argentina, Patricia Bullrich, declarou ao jornal La Nación que as principais <a href="https://www.camara.leg.br/tv/sempre-um-papo/208048-luiz-eduardo-soares-fala-sobre-crime-organizado/">facções brasileiras</a> — o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) — <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/luciana-taddeo/internacional/argentina-declarou-cv-e-pcc-como-organizacoes-terroristas-diz-ministra/">seriam classificadas como organizações terroristas na Argentina</a>. A afirmação da ministra na data do massacre no Rio veio acompanhada da informação de que 39 brasileiros foram encarcerados em território argentino, incluindo cinco membros do CV e oito do PCC, todos mantidos em regime de isolamento absoluto para evitar a reprodução das dinâmicas carcerárias observadas no Brasil e no Paraguai.
A atitude do governo Milei acende um alerta regional. </p>
<p>Ao importar a linguagem do terrorismo — historicamente usada para justificar perseguições políticas e regimes de exceção —, corre-se o risco de dissolver a fronteira entre segurança pública e defesa nacional, entre crime comum e ameaça ideológica, entre política penal e guerra interna. Essa reclassificação, quando não amparada por marcos jurídicos internacionais, entra em choque com os tratados universais de direitos humanos, como o <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm">Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP)</a>, o Pacto de San José da Costa Rica e os Princípios e Diretrizes das Nações Unidas sobre o Uso da Força e Armas de Fogo por Agentes da Lei, todos eles vedando práticas de criminalização coletiva, detenções arbitrárias e execuções sumárias. </p>
<h2>Brasil tem obrigação de assegurar parâmetros constitucionais</h2>
<p>O Brasil, signatário desses instrumentos, tem obrigação de assegurar que a persecução criminal de operadores do tráfico se mantenha dentro dos parâmetros constitucionais, assegurando, inclusive, o verdadeiro significado de segurança pública. O artigo 5º da Constituição Federal garante o devido processo legal e a presunção de inocência, princípios incompatíveis com <a href="https://portal.unicap.br/w/os-3-motivos-para-desmilitarizar-as-policias">operações militarizadas </a>que transformam comunidades inteiras em zonas de guerra. Ao qualificar traficantes como “terroristas”, o Estado amplia perigosamente o escopo do inimigo interno, legitimando ações que podem atingir indistintamente civis, moradores de favelas e jovens negros — alvos recorrentes da política de segurança seletiva brasileira.</p>
<p>A insistência em tratar a violência urbana como terrorismo é, no fundo, uma forma de transferir a responsabilidade do Estado e de seus organismos. É a tentativa de converter o fracasso de <a href="https://www.scielo.br/j/ea/a/mGvTSGmzbGBbkP6cTjxCzzN/?lang=pt">políticas públicas</a> tão almejadas pelas populações periféricas, como educação, cultura, trabalho e moradia, em narrativa de guerra. O massacre do Rio de Janeiro não foi um ato antiterrorista: foi o sintoma de um Estado ausente que escolheu militarizar o território e desumanizar seus cidadãos, renunciando a enfrentar as verdadeiras raízes do problema. </p>
<p>A história recente de El Salvador demonstra que a retórica da “ordem pela força” produz apenas o silêncio do medo. Medo, inclusive, que tem sido a maior arma da extrema direita ao redor do mundo. O verdadeiro caminho para a segurança — como sustentam os <a href="https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf">Princípios de Mandela das Nações Unidas sobre o Tratamento de Pessoas Presas (2015)</a> e as recomendações do Comitê contra a Tortura — passa pelo fortalecimento das garantias processuais, pelo controle civil das forças de segurança, pela redução drástica do encarceramento em massa e pela humanização das polícias. E deveria também passar pelo fim do proibicionismo e da ineficaz <a href="https://theconversation.com/muito-alem-do-narcotrafico-o-que-esta-por-tras-das-ameacas-de-donald-trump-a-venezuela-e-a-colombia-267847">“guerra às drogas”</a>. Em vez de importar modelos autoritários, os governantes e os congressistas deveriam, diante de tamanha tragédia, reafirmar seu compromisso com os direitos humanos e a justiça racial. Nenhuma sociedade se torna mais livre ao abdicar de seu próprio direito (e dever) de ser justa. E é sobre justiça racial que estamos falando.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268822/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>O autor é professor titular da Cátedra Patrícia Acioli, vinculada ao Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ e bolsista Pesquisador Visitante Emérito da FAPERJ.
</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>A autora é Mestre em Estudos Africanos pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e jornalista especializada em política internacional. Atua como assessoria de imprensa do Geledés - Instituto da Mulher Negra. </span></em></p>No calor da tragédia, e com intenções eleitorais, políticos brasileiros evocaram o modelo de El Salvador, que aplica encarceramento em massa sob a bandeira do “combate às gangues”. A experiência, celebrada pela extrema direita global, tornou-se símbolo não de eficiência, mas de suspensão de direitos fundamentaisLuiz Eduardo Soares, Mestre em Antropologia Social e Doutor em Ciência Política, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Kátia Mello, Mestre em Estudos Africanos (Universidade de Birmingham/UK) e jornalista, Geledés - Instituto da Mulher Negra Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2687432025-10-31T09:35:52Z2025-10-31T09:35:52ZToxicologista explica porque você pode “salvar” um queijo mofado, mas nunca carne ou outros alimentos estragados<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/699571/original/file-20251023-64-6ga483.jpg?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C0%2C5704%2C3802&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption">Fungos e bactérias presentes nos alimentos produzem uma série de toxinas microbianas e subprodutos bioquímicos que podem ser prejudiciais à saúde, potencialmente causando desde desconforto intestinal até elevando o risco de câncer</span> <span class="attribution"><a class="source" href="https://www.gettyimages.com/detail/photo/woman-looking-at-strawberry-taken-from-refrigerator-royalty-free-image/1443053859">JulieAlexK/iStock via Getty Images</a></span></figcaption></figure><p>Quando você abre a geladeira e encontra um pedaço de queijo manchado com mofo verde ou um pacote de frango com um leve cheiro azedo, pode ser tentador arriscar seu estômago em vez de desperdiçar comida.</p>
<p>Mas o limite entre fermentação inofensiva e deterioração perigosa é tênue. Consumir alimentos estragados expõe o corpo a uma série de toxinas microbianas e subprodutos bioquímicos, muitos dos quais podem interferir em processos biológicos essenciais. Os efeitos na saúde podem variar de um leve desconforto gastrointestinal a condições graves, como câncer de fígado.</p>
<p>Sou um <a href="https://www.engr.colostate.edu/cbe/people/brad-reisfeld/">toxicologista e pesquisador</a> especializado em como substâncias químicas estranhas, como as liberadas durante a deterioração dos alimentos, afetam o corpo. Muitos alimentos estragados contêm microrganismos específicos que produzem toxinas. Como a sensibilidade individual a essas substâncias químicas varia, e a quantidade presente nos alimentos estragados também pode variar muito, não há diretrizes absolutas sobre o que é seguro comer. No entanto, é sempre uma boa ideia conhecer seus inimigos para que você possa tomar medidas para evitá-los. </p>
<h2>Nozes e grãos</h2>
<p>Em alimentos à base de plantas, como grãos e nozes, os fungos são os principais culpados pela deterioração, formando manchas felpudas de mofo em tons de verde, amarelo, preto ou branco que geralmente exalam um cheiro de mofo. Por mais coloridos que sejam, muitos desses fungos produzem substâncias químicas tóxicas chamadas micotoxinas.</p>
<p>Dois fungos comuns encontrados em grãos e nozes, como <a href="https://www.fda.gov/media/83271/download">milho, sorgo, arroz e amendoim</a>, são o <em>Aspergillus flavus</em> e o <em>A. parasiticus</em>. Eles podem produzir <a href="https://doi.org/10.3390/toxins14050307">micotoxinas conhecidas como aflatoxinas</a>, que formam moléculas chamadas epóxidos que podem provocar mutações quando se ligam ao DNA. A exposição repetida às aflatoxinas <a href="https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mycotoxins">pode causar danos ao fígado</a> e <a href="https://doi.org/%2010.14252/foodsafetyfscj.2015026">tem sido associada ao câncer de fígado</a>, especialmente em pessoas que já apresentam outros fatores de risco para a doença, como infecção por hepatite B.</p>
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<a href="https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="Mofo em espigas de milho" src="https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=398&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=398&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=398&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=501&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=501&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/698197/original/file-20251023-56-prvvjg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=501&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">Os fungos <em>Fusarium</em> podem crescer no milho e em outros grãos.</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://www.gettyimages.com/detail/photo/corn-cobs-are-affected-by-fusarium-the-causative-royalty-free-image/2182157647">Orest Lyzhechka/iStock via Getty Images Plus</a></span>
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<p>O <a href="https://doi.org/10.3390/ijerph182211741"><em>Fusarium</em></a> é outro grupo de fungos patogênicos que podem crescer como mofo em grãos como trigo, cevada e milho, <a href="https://doi.org/10.1111/nph.17340">especialmente em ambientes com alta umidade</a>. Os grãos infectados podem apresentar descoloração ou ter uma tonalidade rosada ou avermelhada, além de emitirem um odor de mofo. Os fungos <em>Fusarium</em> produzem <a href="https://doi.org/10.3390/toxins16020090">micotoxinas chamadas tricotecenos</a>, que podem danificar as células e irritar o trato digestivo. Eles também produzem <a href="https://doi.org/10.3390/ijms22115793">outra toxina, a fumonisina B1</a>, que perturba a forma como as células constroem e mantêm suas membranas externas. Com o tempo, esses efeitos <a href="https://doi.org/10.1016/j.anifeedsci.2007.06.007">podem prejudicar o fígado e os rins</a>. </p>
<p>Se os grãos ou nozes parecerem mofados, descoloridos ou murchos, ou se tiverem um cheiro incomum, é melhor pecar pelo excesso de cautela e jogá-los fora. As aflotoxinas, especialmente, são conhecidas por serem <a href="https://my.clevelandclinic.org/health/articles/25081-carcinogens">agentes cancerígenos potentes</a>, portanto, não há nível seguro de exposição a elas. </p>
<h2>Frutas</h2>
<p>As frutas também podem conter micotoxinas. Quando ficam machucadas ou maduras demais, ou são armazenadas em condições úmidas, o mofo pode se instalar facilmente e começar a produzir essas substâncias nocivas.</p>
<p>Uma das mais importantes é um mofo azul chamado <em>Penicillium expansum</em>, mais conhecido por infectar maçãs, mas que também ataca peras, cerejas, pêssegos e outras frutas. Esse fungo produz patulina, uma toxina que interfere nas enzimas essenciais das células, prejudicando suas funções normais e gerando moléculas instáveis chamadas “espécies reativas de oxigênio”, que podem danificar o DNA, as proteínas e as gorduras. Em grandes quantidades, a patulina <a href="https://doi.org/10.3390/toxins10110475">pode lesionar órgãos importantes</a>, como os <a href="https://doi.org/10.3390/toxins2040613">rins, o fígado, o trato digestivo e o sistema imune</a>.</p>
<p>Os primos azuis e verdes do <em>P. expansum</em>, o <a href="https://doi.org/10.3389/fpls.2021.833328"><em>Penicillium italicum</em> e o <em>Penicillium digitatum</em></a>, são frequentemente encontrados em laranjas, limões e outras frutas cítricas. Não está claro se eles produzem toxinas perigosas, mas têm um gosto horrível. </p>
<figure class="align-center zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="Mofo verde e branco em uma laranja" src="https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=600&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=600&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=600&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=754&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=754&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/698198/original/file-20251023-56-hof5e5.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=754&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">O <em>Penicillium digitatum</em> forma um belo crescimento verde em frutas cítricas, que as deixa com gosto horrível.</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Penicillium_digitatum_orange.jpg">James Scott via Wikimedia Commons</a>, <a class="license" href="http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/">CC BY-SA</a></span>
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<p>É tentador simplesmente cortar as partes mofadas de uma fruta e comer o resto. No entanto, os bolores podem enviar estruturas microscópicas semelhantes a raízes, chamadas hifas, que penetram profundamente nos alimentos, <a href="https://doi.org/10.3390/toxins14100699">potencialmente libertando toxinas</a> mesmo em partes aparentemente não afetadas. Especialmente no caso de frutas macias, onde as hifas podem crescer mais facilmente, é mais seguro jogar fora os exemplares com bolor. Faça isso por sua conta e risco, mas, no caso de frutas duras, às vezes eu apenas corto as partes mofadas.</p>
<h2>Queijo</h2>
<p>O queijo mostra os benefícios do crescimento microbiano controlado. Na verdade, o mofo é um componente crucial em muitos dos queijos que você conhece e adora. Queijos azuis, como Roquefort e Stilton, obtêm seu sabor característico e picante a partir de substâncias químicas produzidas por um fungo chamado <em>Penicillium roqueforti</em>. E a casca macia e branca de queijos como o Brie ou o Camembert contribui para o seu sabor e textura.</p>
<p>Por outro lado, os bolores indesejáveis têm um aspecto felpudo ou pulverulento e podem assumir cores invulgares. Os bolores verde-escuros ou avermelhados, por vezes causados por espécies de <em>Aspergillus</em>, podem ser tóxicos e devem ser descartados. Além disso, espécies como o <em>Penicillium commune</em> produzem ácido ciclopiazônico, uma micotoxina que <a href="https://doi.org/10.1016/0278-6915%2885%2990284-4">interrompe o fluxo de cálcio através das membranas celulares</a>, podendo prejudicar as funções musculares e nervosas. Em níveis suficientemente elevados, pode causar tremores ou outros sintomas no sistema nervoso. Felizmente, esses casos são raros, e os produtos lácteos estragados geralmente se revelam pelo seu odor forte, azedo e desagradável.</p>
<figure class="align-center zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="Queijeiro examinando queijos" src="https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/698199/original/file-20251023-56-lqo1cy.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">O mofo é um componente crucial dos queijos azuis, adicionando um sabor picante e característico.</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://www.gettyimages.com/detail/photo/cheese-maker-inspecting-stock-royalty-free-image/1352892873">Peter Cade/Photodisc via Getty Images</a></span>
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<p>Como regra geral, descarte queijos macios, como ricota, cream cheese e queijo cottage, ao primeiro sinal de mofo. Como esses queijos contêm mais umidade, os filamentos do mofo podem se espalhar facilmente. </p>
<p>Queijos duros, incluindo cheddar, parmesão e suíço, são menos porosos. Portanto, cortar pelo menos 2,5 cm ao redor da mancha de mofo é uma aposta mais segura — apenas tome cuidado para não tocar no mofo com a faca.</p>
<h2>Carne</h2>
<p>Enquanto os fungos são a principal preocupação no que diz respeito à deterioração de produtos vegetais e lácteos, as bactérias são os principais agentes da decomposição da carne. Os sinais reveladores da deterioração da carne incluem uma textura viscosa, descoloração que é frequentemente esverdeada ou acastanhada e um odor azedo ou pútrido. </p>
<p>Algumas bactérias nocivas não produzem alterações perceptíveis no cheiro, aparência ou textura, tornando difícil avaliar a segurança da carne apenas com base em sinais sensoriais. No entanto, esse odor é causado por substâncias químicas como a cadaverina e a putrescina, que se formam à medida que a carne se decompõe, e podem causar <a href="https://doi.org/10.1016/j.heliyon.2024.e24501">náuseas, vômitos e cólicas abdominais</a>, bem como dores de cabeça, rubor ou queda da pressão arterial.</p>
<p>Carnes estragadas estão repletas de perigos bacterianos. A <a href="https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20134227/"><em>Escherichia coli</em>, um contaminante comum da carne bovina</a>, produz a toxina Shiga, que bloqueia <a href="https://doi.org/%2010.1007/s00253-015-7236-3">a capacidade de algumas células de produzir proteínas</a> e pode causar uma doença renal perigosa chamada <a href="https://doi.org/10.3390/toxins15010010">síndrome hemolítico-urêmica</a>. As aves domésticas costumam ser portadoras da <a href="https://www.cdc.gov/campylobacter/about/index.html">bactéria <em>Campylobacter jejuni</em></a>, que produz uma toxina que invade as células gastrointestinais, causando frequentemente diarreia, cólicas abdominais e febre. Ela também pode provocar o sistema imune do corpo para atacar seus próprios nervos, potencialmente desencadeando uma <a href="https://doi.org/10.3390/ijms232214222">condição rara chamada síndrome de Guillain-Barré</a>, que pode <a href="https://doi.org/%2010.1155/2013/852195">levar à paralisia temporária</a>.</p>
<p>A <em>salmonela</em>, encontrada em ovos e frango mal cozido, é um dos tipos mais comuns de intoxicação alimentar, causando diarreia, náuseas e cólicas abdominais. Ela libera toxinas no revestimento do intestino delgado e grosso que <a href="https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK8435/">provocam inflamação extensa</a>. O <em>Clostridium perfringens</em> também ataca o intestino, mas <a href="https://doi.org/10.1080/22221751.2024.2341968">suas toxinas atuam danificando as membranas celulares</a>. E o <em>Clostridium botulinum</em>, que pode se esconder em carnes armazenadas ou enlatadas de forma inadequada, produz a toxina botulínica, um dos <a href="https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/botulism/">venenos biológicos mais potentes</a> – <a href="https://doi.org/10.3390/toxins11120686">letais mesmo em pequenas quantidades</a>.</p>
<p>É impossível que a carne esteja totalmente livre de bactérias, mas quanto mais tempo ela fica na geladeira – ou pior, na bancada ou na sacola de compras – mais essas bactérias se multiplicam. E não é possível eliminar essas bactérias com o cozimento. A maioria das bactérias morre em temperaturas seguras para cozinhar carnes – entre 63°C e 74°C –, mas muitas toxinas bacterianas são estáveis ao calor e sobrevivem ao cozimento.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268743/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Brad Reisfeld não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Fungos e bactérias podem produzir toxinas perigosas — e também não têm um sabor muito agradável.Brad Reisfeld, Professor Emeritus of Chemical and Biological Engineering, Biomedical Engineering, and Public Health, Colorado State UniversityLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2685522025-10-31T09:33:25Z2025-10-31T09:33:25ZTalvez a parte mais difícil de desenvolver uma IA consciente seja nos convencer de que ela é real<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/699041/original/file-20251022-56-rpyu96.jpg?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C166%2C6160%2C4106&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption">O sucesso do Chat-GPT já demonstrou o problema, pois para muitos o Teste de Turing era a referência para a inteligência artificial e ele teria sido aprovado; com isso, os parâmetros para a 'consciência' das máquinas mudaram, e podem continuar mudando à medida que a tecnologia melhora.</span> <span class="attribution"><a class="source" href="https://www.shutterstock.com/image-photo/ai-technology-concept-theory-mind-self-2369378725">Black Salmon</a></span></figcaption></figure><p>Já em 1980, o filósofo americano <a href="https://www.cambridge.org/core/journals/behavioral-and-brain-sciences/%20article/abs/minds-brains-and-programs/DC644B47A4299C637C89772FACC2706A">John Searle distinguiu entre IA forte e fraca</a>. As IAs fracas são meramente máquinas ou programas úteis que nos ajudam a resolver problemas, enquanto as IAs fortes teriam inteligência genuína. Uma IA forte seria consciente.</p>
<p>Searle era cético quanto à própria possibilidade de uma IA forte, mas nem todos compartilham de seu pessimismo. Os mais otimistas são aqueles que endossam o <a href="https://plato.stanford.edu/entries/functionalism/">funcionalismo</a>, uma popular teoria da mente que considera que os estados mentais conscientes são determinados exclusivamente por sua função. Para um funcionalista, a tarefa de produzir uma IA forte é apenas um desafio técnico. Se pudermos criar um sistema que funcione como nós, podemos ter certeza de que ele é consciente como nós.</p>
<figure class="align-right zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="Ilustração de um humano conversando com um robô" src="https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=237&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=559&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=559&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=559&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=702&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=702&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/697784/original/file-20251022-56-x7jokg.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=702&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
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<span class="caption">Tem alguém aí?</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://www.shutterstock.com/image-photo/close-common-myna-bird-acridotheres-tristis-2629229511">Littlestar23</a></span>
</figcaption>
</figure>
<p>Recentemente, chegamos a um ponto de inflexão. As IAs generativas, como o Chat-GPT, estão agora tão avançadas que suas respostas muitas vezes são indistinguíveis das de um ser humano real — veja <a href="https://richarddawkins.substack.com/p/are-you-conscious-a-conversation">esta “conversa”</a> entre o Chat-GPT e Richard Dawkins, por exemplo. </p>
<p>A questão de saber se uma máquina pode nos enganar e nos fazer pensar que é humana é o tema de <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_de_Turing">um teste bem conhecido</a> criado pelo cientista da computação inglês Alan Turing em 1950. Turing afirmava que, se uma máquina fosse capaz de passar no teste, deveríamos concluir que ela era genuinamente inteligente. </p>
<p>Em 1950, isso era pura especulação, mas de acordo com um <a href="https://arxiv.org/abs/2503.23674">estudo publicado em <em>preprint</em></a> do início deste ano — um estudo que ainda não foi revisado por pares —, a IA generativa passou no <a href="https://plato.stanford.edu/entries/turing-test/">Teste de Turing</a>: o Chat-GPT convenceu 73% dos participantes de que era humano. </p>
<p>O interessante é que ninguém está acreditando nisso. Os especialistas não só <a href="https://theconversation.com/chatgpt-cant-think-consciousness-is-something-entirely-different-to-todays-ai%20-204823">negam que o Chat-GPT seja consciente</a>, mas aparentemente nem mesmo <a href="https://theconversation.com/we-need-to-stop-pretending-ai-is-intelligent-heres-how-254090">levam a ideia a sério</a>. Tenho que admitir que concordo com eles. Simplesmente não parece plausível.</p>
<p>A questão principal é: o que uma máquina teria que fazer para nos convencer?</p>
<p>Os especialistas tendem a se concentrar no lado técnico dessa questão. Ou seja, discernir quais recursos técnicos uma máquina ou programa precisaria para satisfazer nossas melhores teorias sobre a consciência. Um <a href="https://arxiv.org/abs/2308.08708">artigo de 2023</a>, por exemplo, conforme relatado <a href="https://theconversation.com/why-chatgpt-isnt-conscious-but-future-ai-systems-might-be%20-212860">aqui no <strong>The Conversation</strong></a>, compilou uma lista de 14 critérios técnicos ou “indicadores de consciência”, como aprender com feedback (o Chat-GPT não foi aprovado).</p>
<p>Mas criar uma IA forte é um desafio tanto psicológico quanto técnico. Uma coisa é produzir uma máquina que satisfaça os vários critérios técnicos que estabelecemos em nossas teorias, mas outra coisa bem diferente é supor que, quando finalmente nos depararmos com tal coisa, acreditaremos que ela é consciente. </p>
<p>O sucesso do Chat-GPT já demonstrou esse problema. Para muitos, o Teste de Turing era a referência para a inteligência artificial. Mas se ele foi aprovado, como sugere o estudo em <em>preprint</em>, os parâmetros mudaram. Eles podem continuar mudando à medida que a tecnologia melhora.</p>
<h2>Dificuldades com os mainás</h2>
<p>É aqui que entramos no obscuro reino de um antigo dilema filosófico: <a href="https://www.britannica.com/topic/problem-of-other-minds">o problema das outras mentes</a>. Em última análise, nunca se pode saber com certeza se algo além de nós mesmos é consciente. No caso dos seres humanos, o problema é pouco mais do que ceticismo ocioso. Nenhum de nós pode considerar seriamente a possibilidade de que outros seres humanos sejam autômatos sem pensamento, mas no caso das máquinas parece ser o contrário. É difícil aceitar que elas possam ser outra coisa.</p>
<p>Um problema específico com IAs como o Chat-GPT é que elas parecem meras máquinas imitadoras. São como o pássaro mainá, que aprende a vocalizar palavras sem ter ideia do que está fazendo ou do que as palavras significam. </p>
<figure class="align-center zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="Pássaro mainá" src="https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=400&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/697782/original/file-20251022-66-wqqrpv.jpg?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=503&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
<figcaption>
<span class="caption">‘Quem você está chamando de papagaio estocástico?’</span>
<span class="attribution"><a class="source" href="https://www.shutterstock.com/image-photo/close-common-myna-bird-acridotheres-tristis-2629229511">Mikhail Ginga</a></span>
</figcaption>
</figure>
<p>Isso não significa que nunca criaremos uma máquina consciente, é claro, mas sugere que talvez tenhamos dificuldade em aceitá-la se isso acontecer. E essa pode ser a ironia definitiva: ter sucesso em nossa busca para criar uma máquina consciente, mas nos recusarmos a acreditar que conseguimos. Quem sabe isso já pode ter acontecido.</p>
<p>Então, o que uma máquina precisaria fazer para nos convencer? Uma sugestão provisória é que ela talvez precisasse exibir o tipo de autonomia que observamos em muitos organismos vivos.</p>
<p>As IAs atuais, como o Chat-GPT, são puramente responsivas. Tire os dedos do teclado e elas ficam tão silenciosas quanto um túmulo. Os animais não são assim, pelo menos não aqueles que comumente consideramos conscientes, como chimpanzés, golfinhos, gatos e cães. Eles têm seus próprios impulsos e inclinações (ou pelo menos parecem ter), juntamente com o desejo de persegui-los. Eles iniciam suas próprias ações em seus próprios termos, por suas próprias razões.</p>
<p>Talvez se pudéssemos criar uma máquina que exibisse esse tipo de autonomia — o tipo de autonomia que a levaria além de uma mera máquina de imitação —, realmente aceitaríamos que ela era consciente? </p>
<p>É difícil saber com certeza. Talvez devêssemos perguntar ao Chat-GPT.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268552/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>David Cornell não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Um filósofo fala sobre como e se algum dia decidiremos se a IA é senciente e tem um consciência própria.David Cornell, Senior Lecturer in Philosophy, University of LancashireLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2672762025-10-31T09:32:59Z2025-10-31T09:32:59ZÓleos de quinoa e de tremoços andinos: os novos “ouros líquidos” dos antioxidantes<p>Durante séculos, a história do “ouro líquido” teve um protagonista: o <a href="https://nostosgoods.com/blogs/the-argilos-olive-diary/liquid-gold-how-olive-oil-became-ancient-currency">azeite de oliva</a>, um venerável ancião do Mediterrâneo cuja lenda remonta à antiguidade clássica. Toda epopeia precisa de novas aventuras; um território inexplorado que prometa riquezas por decifrar. </p>
<p>Esta é a crônica de uma busca moderna que troca as selvas pelas montanhas. A conquista do novo “El Dorado”, que não brilha em pepitas, mas flui das sementes de quinoa e do tremoço andino. Mas isto não é uma lenda; esta travessia começa nos planaltos sul-americanos, onde o ar é rarefeito e as sementes guardam um segredo milenar. </p>
<p>O objetivo não é uma cidade perdida, mas uma garrafa que preserve a essência destas culturas resilientes. O que encontramos ao prensar estas sementes? Um tesouro lipídico com potencial para reescrever o mapa dos óleos contemporâneos.</p>
<h2>Mapeando o território dos ácidos graxos</h2>
<p>A primeira pista do tesouro está na sua composição química. O óleo de quinoa revela-se como uma veia generosa de ácidos graxos insaturados, que representam cerca de <a href="https://doi.org/10.37761/rsqp.v88i1.374">82–85 % do seu perfil lipídico</a>. <a href="https://f1000research.com/articles/12-1477/v1">Essa riqueza em insaturados</a>, especialmente em ácido linoleico (ômega-6) e oleico (ômega-9), confere-lhe um valor nutricional relevante. A joia da coroa é a presença de <a href="https://www.mdpi.com/2304-8158/9/2/216">ácido α-linolênico (ômega-3), que se destaca em relação a muitos óleos vegetais convencionais, embora não atinja os níveis excepcionais de óleos como o de linhaça ou chia</a>. Ainda assim, sua contribuição de ômega-3 o torna um protagonista relevante no mapa nutricional lipídico.</p>
<p>Esse nutriente transforma esse óleo em algo mais do que um simples condimento. Ele vem escoltado por uma verdadeira guarda pretoriana de compostos bioativos, entre os quais se destacam os <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0926669014005834">tocoferóis, as diferentes formas da vitamina E</a>. Além disso, <a href="https://www.mdpi.com/1420-3049/27/8/2453#:%7E:text=results%20in%20Table%201%20,PUFAs%20in%20QSOs%20from%20radicals">estudos</a> identificaram a presença significativa de fitoesteróis, como o β-sitosterol, que reforçam seu perfil funcional. Estes compostos protegem a integridade do óleo contra a oxidação e lhe conferem propriedades saudáveis.</p>
<p><a href="https://f1000research.com/articles/12-1477/v1">Sua estabilidade térmica é moderada</a>, o que implica que sua aplicação é ideal para temperos em frio e cozimentos suaves, num paralelo com uma joia fina, cujo brilho é melhor apreciado sem ser lançada numa forja.</p>
<p>O perfil do óleo de tremoço compartilha algumas semelhanças com óleos de alto valor nutricional, como o azeite de oliva extra virgem, <a href="https://www.mdpi.com/2223-7747/11/17/2301">especialmente por sua riqueza em ácido oleico</a>. Embora apresente uma proporção significativa de ácido linoleico, seu equilíbrio de gorduras insaturadas, juntamente com compostos antioxidantes naturais como o γ-tocoferol, o <a href="https://www.mdpi.com/1420-3049/27/21/7315#:%7E:text=oils%20played%20a%20fundamental%20role,40%5D.%20In%20fact%2C%20high">torna um óleo promissor</a>. Mais do que estabelecer comparações, seu valor está em suas próprias qualidades, que o posicionam como uma alternativa saudável e emergente no universo dos óleos vegetais. <a href="https://magazineasce.com/index.php/1/article/view/162">Sua estabilidade se traduz num ponto de fumaça elevado ( 206°C)</a>, permitindo que ele “navegue sem criar fumaça” durante frituras e refogados em altas temperaturas, onde outros óleos premium falham.</p>
<p>Uma característica notável, do ponto de vista industrial e comercial, <a href="https://www.mdpi.com/1420-3049/27/21/7315">seja sua vida útil extensa</a>, de mais de um ano em temperatura ambiente; um tesouro que não oxida, o baú que preserva seu conteúdo intacto graças ao <a href="https://link.springer.com/article/10.1007/s11130-021-00880-0">seu conteúdo de compostos antioxidantes</a>. Esta qualidade o torna viável para armazenamento e distribuição.</p>
<h2>As virtudes do butim</h2>
<p>A riqueza destes óleos transcende os aspectos sensoriais ou técnicos. Seu verdadeiro valor reside no seu poder funcional; o perfil lipídico de ambos é cardioprotetor por excelência. <a href="https://www.jlr.org/article/S0022-2275(20)33546-X/fulltext">Demonstrou-se que esta combinação de ácidos graxos insaturados contribui eficazmente para aumentar o colesterol HDL (o “bom”), reduzir os níveis de colesterol LDL (o “mau”)</a>, prevenindo quadros clínicos (o “feio”). </p>
<p>Os fitoesteróis, presentes em quantidades significativas, <a href="https://www.mdpi.com/2072-6643/13/8/2810">atuam como agentes hipocolesterolêmicos, competindo com a absorção de colesterol no intestino</a>. Além disso, seu exército de compostos com ação antioxidante combate ao estresse oxidativo e a inflamação crônica. São, em essência, um butim que fortalece o corpo por dentro.</p>
<p>O tesouro também é ecológico e social. <a href="https://www.frontiersin.org/journals/bioengineering-and-biotechnology/articles/10.3389/fbioe.2022.1087933/full">Estas culturas são inerentemente sustentáveis e adaptadas às condições adversas dos Andes</a>, requerendo menos insumos externos como fertilizantes e pesticidas em comparação com outras culturas oleaginosas intensivas. Promovem, portanto, uma agricultura de baixo impacto. Além disso, seu desenvolvimento como produto de alto valor representa uma oportunidade para o desenvolvimento rural.</p>
<h2>A viabilidade do tesouro</h2>
<p>A comercialização do óleo de quinoa esbarra em uma realidade pragmática: a extração em escala industrial ainda é uma operação em fase piloto. <a href="https://cjfs.agriculturejournals.cz/pdfs/cjf/2018/01/12.pdf">Dados científicos indicam rendimentos baixos, entre 5% e 7,2%</a>, o que desafia sua viabilidade econômica. Atualmente, essa extração ocorre principalmente em laboratórios de pesquisa e plantas piloto, sem uma cadeia de comercialização estabelecida no mercado. É, por enquanto, uma veia estreita e difícil de explorar, que requer otimização de processos. Por exemplo, no Peru, em um trabalho com dez variedades de quinoa cultivadas em na região de Huancavelica, foram determinados os <a href="https://revistaalfa.org/index.php/revistaalfa/article/view/339/832">rendimentos e propriedades físico-químicas do óleo extraído em laboratório</a>. No óleo de tremoço, <a href="https://revistas.unitru.edu.pe/index.php/scientiaagrop/article/view/3545/4239">os rendimentos são superiores (14 - 22%)</a>. </p>
<p>No Equador, o Instituto Nacional de Investigaciones Agropecuarias (INIAP) <a href="https://tecnologia.iniap.gob.ec/2025/08/25/aceite-de-chocho-una-alternativa-cardioprotectora-para-la-nutricion-andina/">conduziu estudos com tremoço</a>, avaliando métodos de extração (prensagem mecânica e solventes) e a qualidade nutricional do óleo produzido. Isto, somado às excelentes qualidades de estabilidade mencionadas, torna-o um candidato apto. </p>
<p>Instituições de pesquisa e desenvolvimento têm sido os pioneiros nesta expedição. <a href="https://www.mdpi.com/2304-8158/13/13/1982">Conseguiram desenvolver e refinar processos para obter óleos virgens de tremoço de qualidade</a>, que cumprem os padrões internacionais de acidez, peróxidos e umidade. O tesouro não só existe, como já está sendo “extraído e cunhado” em lotes que demonstram <a href="https://www.agroperu.pe/aceite-de-tarwi-cusqueno-gana-medalla-de-bronce-en-avpa-paris-2024/">sua viabilidade comercial</a>.</p>
<h2>O ouro do século XXI tem sabor andino</h2>
<p>Os óleos de quinoa e tremoço andino deixam de ser um mito para se consolidarem como o “El Dorado líquido” do século XXI. Representam uma oportunidade de ouro. Nunca uma expressão foi tão adequada, para transformar cultivos ancestrais em produtos de alto valor comercial, impulsionar um desenvolvimento rural sustentável e oferecer ao mundo uma alternativa genuinamente saudável, sustentável e carregada de uma narrativa poderosa de resiliência e saber ancestral. </p>
<p>Este butim não se acumula em baús, mas se saboreia à mesa. Sua verdadeira riqueza se mede em saúde, sustentabilidade e justiça social. A era da consolidação do tesouro andino está começando, com a promessa de fluir para os mercados mundiais.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/267276/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Fabián Patricio Cuenca Mayorga não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Carregados de ômega-6 e ômega-9, óleos de quinoa e tremoço podem ser os sucessores do azeite, e com mais sustentabilidadeFabián Patricio Cuenca Mayorga, Professor e Pesquisador, Universidade Técnica de MachalaLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2678112025-10-31T09:32:50Z2025-10-31T09:32:50ZO Brasil tem uma estratégia para uma transição justa e sustentável do sistema agroalimentar?<p>Em 2024, o planeta registrou as maiores temperaturas médias já observadas, e o sistema agroalimentar <a href="https://test-assets-opsaa.iica.int/storage/resource/2024/11/af5e9a7781bfa9a5225caad158c1c8d4.pdf">foi responsável por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa</a>. No Brasil, <a href="https://www.oc.eco.br/producao-de-comida-responde-por-74-das-emissoes-do-brasil/">essa proporção sobe para três quartos,</a> o que o torna a principal fonte de emissões no país. Para alcançar as metas estabelecidas por tratados internacionais, como o Acordo de Paris, ainda há um longo caminho a percorrer: precisaremos transformar profundamente a forma como produzimos, processamos, distribuímos, acessamos, consumimos e descartamos alimentos.</p>
<p>Programada para novembro, a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre mudança do clima (COP30), acontecerá no coração da floresta amazônica, em Belém (PA). Como anfitrião, o Brasil ocupa lugar de destaque nesta edição, o que pode representar uma oportunidade concreta para que o país lidere o debate global sobre a mudança do clima, trazendo o foco para o sistema agroalimentar. </p>
<p>Para isso, o país ter de enfrentar desafios como <a href="https://catedrajc.fsp.usp.br/wp-content/uploads/2025/05/PB_COP30_Por-uma-transicao-justa-e-sustentavel-do-sistema-agroalimentar.pdf">a ampliação do financiamento para ações de mitigação e adaptação e a restauração da confiança no multilateralismo</a>. Mas não é só isso: o Brasil precisará demonstrar de que modo pretende alinhar suas políticas a uma transição justa e sustentável. </p>
<blockquote>
<p>Na prática, isso significa reconhecer o papel do sistema agroalimentar na crise climática, e analisar como os programas e planos existentes podem impulsionar transformações efetivas nesse sistema.</p>
</blockquote>
<p>Três políticas públicas são fundamentais diante desse desafio: o Plano Clima, o Plano de Transformação Ecológica (PTE) e o Plano Safra. Essas políticas mobilizam uma grande quantidade de recursos e, assim, influenciam decisivamente o comportamento dos atores econômicos. Elas também têm um potencial de maior transversalidade, e afetam diferentes áreas de governo e dimensões do funcionamento do sistema agroalimentar.</p>
<p><a href="https://catedrajc.fsp.usp.br/publicacao/o-brasil-tem-uma-estrategia-para-uma-transicao-justa-e-sustentavel-do-sistema-agroalimentar-uma-analise-do-plano-clima-plano-safra-e-plano-de-transformacao-ecologica">Em estudo</a> conduzido pela Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Núcleo de Pesquisas sobre Meio-ambiente Desenvolvimento e Sustentabilidade do Cebrap (Cebrap Sustentabilidade), analisamos em detalhe as dimensões dos planos que se relacionam diretamente com o sistema agroalimentar. O objetivo foi tentar entender onde avançamos - e quais são os principais desafios para integração entre agendas climática e agroalimentar no Brasil. </p>
<h2>Três planos: o que você precisa saber</h2>
<p>O Plano Safra é o pilar financeiro da agricultura brasileira. Com R$ 516 bilhões destinados à agricultura empresarial e R$ 78 bilhões ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), ele é o principal programa de crédito para a agricultura familiar. Portanto, é a política com maior poder de ação sobre as práticas produtivas e o uso do solo no país.</p>
<p>Embora o Plano Safra inclua linhas voltadas à agropecuária de baixo carbono, a maior parte dos recursos ainda se concentra em cadeias convencionais, baseadas na expansão de monoculturas. Esse modelo reforça desigualdades regionais e entre segmentos de agricultores. As linhas de financiamento verde voltadas à agricultura familiar, como o Pronaf Agroecologia, Floresta e Bioeconomia, representaram menos de 3% do total concedido na safra 2023/2024. Entre 2011 e 2020, durante a primeira fase do Plano ABC, estavam previstos R$ 197 bilhões em investimentos, mas apenas <a href="https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1165969/sumario-para-tomadores-de-decisao-relatorio-tematico-sobre-agricultura-biodiversidade-e-servicos-ecossistemicos">apenas R$ 21 bilhões foram efetivamente contratados</a>.</p>
<p>Para o Plano Safra se tornar um verdadeiro motor da transição justa e sustentável, é preciso uma reformulação profunda. As mudanças devem buscar eliminar conflitos entre incentivos, garantir uma distribuição mais equitativa dos recursos e alinhar o plano às metas climáticas e ecológicas assumidas pelo Brasil.</p>
<p>O Plano Clima é atualmente um dos eixos centrais da política climática nacional. Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, estabelece metas de mitigação e adaptação até 2035. Essas metas estão alinhadas ao Acordo de Paris e aos compromissos assumidos pelo Brasil com o anúncio de sua nova <a href="https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/noticias/brasil-entrega-a-onu-nova-ndc-alinhada-ao-acordo-de-paris/ndc-versao-em-portugues.pdf/">Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) - mecanismo pelos quais os países estabelecem como irão se inserir nos esforços internacionais pela redução das emissões de gases que causam o aquecimento global</a>. </p>
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<p>Entre os avanços do Plano Clima estão a inclusão da restauração florestal e do desmatamento privado impulsionado pela expansão da fronteira agropecuária na contabilização de emissões e no estabelecimento de metas.</p>
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<p>O Plano também revela tensões e ambiguidades entre objetivos setoriais que impactam o sistema agroalimentar. No setor energético, a priorização de biocombustíveis tende a expandir monoculturas de cana (etanol) e soja e milho (biodiesel), criando um dilema entre aumento da oferta de energia e preservação da biodiversidade. Ainda em fase inicial, o Plano precisa ser testado e ajustado continuamente para que seus instrumentos se tornem mais robustos, legítimos e efetivos na implementação.</p>
<p>O Plano de Transformação Ecológica (PTE) foi o terceiro e último plano analisado no estudo. Conduzido pelo Ministério da Fazenda, o PTE busca reposicionar a transição climática como motor do desenvolvimento econômico do país. Ele é estruturado em seis eixos, e aposta nas finanças sustentáveis e na inovação tecnológica como motores de crescimento. </p>
<p>O plano pretende reorientar o crédito e os investimentos privados para atividades de baixo carbono por meio de instrumentos como o EcoInvest e a Taxonomia Sustentável Brasileira. O EcoInvest foi criado para impulsionar investimentos privados sustentáveis e atrair capital externo para projetos de longo prazo, contribuindo para diversificar as formas de investimento na transição. </p>
<p>A Taxonomia Sustentável funciona como um sistema de classificação. Ela orienta o mercado financeiro na identificação de atividades alinhadas a práticas ambientais responsáveis. Isso ajuda a evitar o greenwashing — termo que se refere a estratégias de marketing enganosas voltadas a criar uma falsa imagem de sustentabilidade. </p>
<p>Apesar do caráter inovador do EcoInvest e da Taxonomia Sustentável, ainda há dúvidas sobre alcance e equidade dos instrumentos. Esses questionamentos estão voltados especialmente para a inclusão de pequenos produtores nesses processos. A Taxonomia, por exemplo, pode operar com uma classificação binária (“é” ou “não é” sustentável), o que dificulta reconhecer agricultores em processo de transição. Já o mercado de carbono tende a se concentrar em segmentos com maior capital, devido aos altos custos de certificação e à necessidade de apoio administrativo e organizacional. Essas barreiras afastam populações rurais mais vulneráveis. </p>
<p>Por estar em fase inicial, a consolidação do plano dependerá de monitoramento contínuo e da capacidade de ajuste dos instrumentos. Isso vai contribuir para garantir efetividade e legitimidade ao longo do tempo. Também será necessário avaliar como eles se harmonizam com outros programas setoriais, incluindo o Plano Safra, que atualmente apresenta sinalizações ambíguas: em alguns casos, incentiva práticas sustentáveis e regenerativas; em outros, concentra recursos em tecnologias e modelos de negócio convencionais que podem continuar estimulando emissões de gases de efeito estufa.</p>
<h2>Desafios da transição</h2>
<p>A existência desses planos ou de alguns de seus componentes é sinal de que o Brasil busca aperfeiçoamentos em direção a uma transição sustentável. No entanto, é necessário ir além. </p>
<p>O país ainda precisa alinhar sua ambição climática à atuação de suas instituições e execução de políticas setoriais de forma mais coerente e coordenada. </p>
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<p>Para que a transição seja de fato justa e sustentável, destacamos quatro temas críticos que precisam ter atenção no futuro próximo. O primeiro é reformar o crédito rural, para que ele realmente consiga contemplar as práticas alinhadas com as metas climáticas e que valorizem os serviços ecossistêmicos. </p>
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<p>O segundo é fortalecer a coordenação entre ministérios e instituições, aproveitando instâncias de governança com alcance transversal já criadas, como o Comitê Interministerial sobre Mudanças Climáticas (CIM). O terceiro é garantir monitoramento e aperfeiçoamento contínuo dos instrumentos, em especial, aqueles destinados a direcionar recursos financeiros - como a Taxonomia, o mercado de carbono e o EcoInvest. </p>
<p>Por fim, é necessário vincular de forma mais robusta as metas climáticas ao eixo de adaptação. Isso significa dar mais atenção às políticas de inclusão produtiva rural, para que agricultores familiares, povos tradicionais e territórios vulneráveis sejam protagonistas da transição.</p>
<p>Hoje, a soma dos planos não configura uma estratégia de transição justa e sustentável do sistema agroalimentar. Sem reformas mais profundas na distribuição de recursos para o setor agropecuário e sem reduzir as ambiguidades entre os planos, a tendência é que o padrão atual se mantenha. Inovações são disseminadas, mas esforços seguem concentrados em práticas convencionais que contribuem para a crise climática. A construção de uma estratégia eficaz dependerá, portanto, da complementaridade, coerência e compatibilidade entre as políticas públicas existentes.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/267811/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Cesar B. Favarão recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil. Processo nº2024/23494. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Arilson Favareto recebe financiamento da UFABC e da Cátedra Josué de Castro USP.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Mariana Ceci prestou consultoria em atividades de Divulgação Científica para a Cátedra Josué de Castro.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Olívia Dórea recebe financiamento da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis. </span></em></p>Para alcançar as metas estabelecidas por tratados internacionais, como o Acordo de Paris, precisaremos transformar profundamente a forma como produzimos, processamos, distribuímos, acessamos, consumimos e descartamos alimentos.Cesar B. Favarão, Pesquisador de pós-doutorado com bolsa Fapesp, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)Arilson Favareto, Professor Titular da Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis (USP) e Pesquisador, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP)Mariana Ceci, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)Olívia Dórea, Administradora Pública (FGV), Pesquisadora do eixo de incidência da Cátedra Josué de Casro, Universidade de São Paulo (USP)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2673962025-10-31T09:32:22Z2025-10-31T09:32:22ZDe agulhas a projéteis: a tecnologia que encontra metais perdidos no corpo<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/696980/original/file-20251017-66-npcm2y.png?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C233%2C1174%2C782&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption">Brasileiros desenvolvem técnica precisa e acessível para localizar objetos metálicos no corpo, tornando cirurgias de remoção mais rápidas e eficazes.</span> <span class="attribution"><a class="source" href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PSM_V88_D082_X_ray_of_a_pin_stuck_in_the_throat.png">Imagem: Wikimedia</a>, <a class="license" href="http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/">CC BY</a></span></figcaption></figure><p>Já parou para pensar nas pessoas que têm objetos metálicos perdidos dentro do corpo? Segundo alertas médicos, <a href="https://saude.prefeitura.rio/noticias/ingestao-de-corpos-estranhos-e-um-risco-para-as-criancas/">moedas e baterias estão entre os itens mais ingeridos por crianças pequenas</a>. Na maioria dos casos, é possível resolver o problema no consultório por meio de uma endoscopia – exame que usa um tubo com câmera para visualizar e retirar o objeto do esôfago ou estômago. Mas, quando o item passa desse ponto, a retirada fica <a href="https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/10/25/adolescente-neozelandes-perde-parte-do-intestino-apos-engolir-quase-200-imas.ghtml">muito mais complexa</a>.</p>
<p>E há situações mais inusitadas, como a de uma jovem paulistana que <a href="https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2023/06/21/ela-aspirou-brinco-sem-querer.htm">inalou um pequeno brinco enquanto dormia</a>. Durante anos ela procurou pelo adereço, até encontrá-lo dentro das vias nasais, por acaso, em um raio-X dentário. Apesar de ter precisado de uma cirurgia para a remoção, teve sorte por ele não ter ido parar na laringe, traqueia ou no pulmão. O objeto tinha dimensão suficiente para causar uma obstrução grave e insuficiência respiratória.</p>
<p>Também existem os casos de <a href="https://record.r7.com/sp-no-ar/videos/veja-como-vitimas-sobrevivem-com-balas-alojadas-no-corpo-04062022/">pessoas com projéteis de arma de fogo alojados no corpo</a>. Muitas vezes, a cirurgia de retirada representa risco maior do que simplesmente deixá-los onde estão. Mas isso também é um risco, <a href="https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC4001953/#:%7E:text=Tratamento%20de%20envenenamento%20secund%C3%A1rio%20por,deve%20ser%20iniciada%207%20%2C%2010%20.">podendo levar à inflamação e contaminação por metais pesados</a>. Portanto, encontrar métodos precisos para localizar esses objetos é essencial. Quanto mais exata for a determinação da localização do objeto, menor será a incisão e o tempo de intervenção cirúrgica, menores serão os riscos para o paciente e maior será a chance de sucesso do procedimento para remoção do objeto.</p>
<h2>Ciência aplicada à medicina</h2>
<p>Nosso primeiro contato com esse tipo de problema foi nos anos 1990, quando trabalhávamos juntos em pesquisas sobre biomagnetismo, no <a href="https://www.fis.puc-rio.br/">Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio</a>), com o <a href="https://www.fis.puc-rio.br/prof-paulo-costa-ribeiro/">Prof. Paulo Costa Ribeiro</a> – Carlos Hall ainda era estudante de graduação em Engenharia Elétrica, e Elisabeth, doutoranda em Biofísica na UFRJ. Nesse período, durante uma injeção, a agulha hipodérmica se soltou da base de plástico e se alojou no corpo de uma criança.</p>
<p>Coincidentemente, o caso ocorreu no orfanato apoiado pelas irmãs que gerenciavam o <a href="https://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2695&sid=29">Bar das Freiras na PUC-Rio</a>. O caso foi conduzido pelo cirurgião pediátrico Paulo Boechat, que colaborou com o nosso estudo. Paulo comentou sobre a grande dificuldade no processo convencional para remoção, no qual, após 7 horas de procedimento, caso o objeto não seja alcançado, o procedimento é encerrado, caracterizando-se como um insucesso cirúrgico.</p>
<h2>Limitações dos métodos tradicionais</h2>
<p>Os métodos tradicionalmente usados para localizar esse tipo de objeto em organismos são os exames de raios X tradicionais, tomografias computadorizadas ou radioscopias. Mas, embora eles identifiquem a região geral onde o material está, não têm resolução espacial para indicar a posição e profundidade exatas. Além disso, não há referências anatômicas viáveis, pois os objetos em geral estão alojados em tecidos moles, transparentes aos raios X. Uma desvantagem adicional é que expõem pacientes e equipe médica à radiação.</p>
<p>O <a href="https://pubs.rsna.org/doi/10.1148/rg.2020200001">ultrassom também pode ser útil em alguns casos</a>, mas não detecta bem fragmentos muito pequenos ou localizados em áreas mais profundas. Ele também não indica a posição exata do objeto e a projeção do corpo estranho na pele para orientação cirúrgica. Já a ressonância magnética não é uma opção viável nesses casos, pois usa campos magnéticos intensos que atraem objetos metálicos, podendo causar lesões graves.</p>
<h2>Busca por um novo método</h2>
<p>Como a agulha perdida no caso da criança era feita de material ferromagnético (aço), usamos os sensores magnéticos (<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Magnet%C3%B3metro">magnetômetros</a>) originalmente destinados aos estudos de Biomagnetismo – chamados de <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/SQUID">SQUIDs</a> – capazes de detectar campos magnéticos muito fracos. Assim, trabalhamos no desenvolvimento de um método de localização que foi capaz de identificar a posição exata do objeto no corpo em três dimensões: profundidade, orientação e centro. Os parâmetros foram usados em combinação com a projeção do corpo estranho na pele para planejar o procedimento e definir a incisão cirúrgica.</p>
<figure class="align-left zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="" src="https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=237&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=495&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=495&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=495&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=622&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=622&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/696013/original/file-20251013-56-jzqy2b.png?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=622&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
<figcaption>
<span class="caption">O paciente é colocado sobre uma cama móvel, sob o magnetômetro. A posição plana (horizontal) do corpo em relação ao sensor é monitorada por uma mesa digitalizadora acoplada à cama.</span>
<span class="attribution"><span class="source">Fonte: acervo pessoal.</span></span>
</figcaption>
</figure>
<p>O resultado foi extremamente animador. Além de ajudar aquela criança, depois <a href="https://iopscience.iop.org/article/10.1088/0031-9155/45/8/323">validamos experimentalmente essa técnica em outros seis casos de remoção bem sucedida de agulhas de costura perdidas</a> em outras pessoas. Em todos os casos, foi possível localizar com exatidão os objetos, reduzindo significativamente o tempo cirúrgico, e garantindo o sucesso do procedimento para remoção.</p>
<figure class="align-left zoomable">
<a href="https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=1000&fit=clip"><img alt="" src="https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=237&fit=clip" srcset="https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=600&h=343&fit=crop&dpr=1 600w, https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=600&h=343&fit=crop&dpr=2 1200w, https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=600&h=343&fit=crop&dpr=3 1800w, https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=45&auto=format&w=754&h=431&fit=crop&dpr=1 754w, https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=30&auto=format&w=754&h=431&fit=crop&dpr=2 1508w, https://images.theconversation.com/files/696015/original/file-20251013-56-q26s7o.png?ixlib=rb-4.1.0&q=15&auto=format&w=754&h=431&fit=crop&dpr=3 2262w" sizes="(min-width: 1466px) 754px, (max-width: 599px) 100vw, (min-width: 600px) 600px, 237px"></a>
<figcaption>
<span class="caption">Radiografia feita do primeiro paciente, antes do procedimento cirúrgico. Após nossa análise, dois marcadores, em forma de 0 e 1, foram fixados sobre a pele da criança. O marcador</span>
<span class="attribution"><span class="source">Fonte: acervo pessoal.</span></span>
</figcaption>
</figure>
<p>Essa experiência foi tão marcante que definiu nosso caminho acadêmico. Seguimos com esse tema como uma de nossas linhas de pesquisa até hoje, como pesquisadores do <a href="https://www.metrologia.ctc.puc-rio.br/laboratorios/">Laboratório de Biometrologia (LaBioMet) da PUC-Rio</a> – e com apoios da <a href="https://www.faperj.br/">FAPERJ</a>, <a href="https://www.gov.br/cnpq/pt-br">CNPq</a>, <a href="https://www.gov.br/capes/pt-br">CAPES</a> e <a href="http://www.finep.gov.br/">FINEP</a>.</p>
<p>Afinal, ainda havia muito a aprimorar. Apesar da elevada exatidão de nossa técnica, o sensor precisava operar em temperaturas muito baixas, o que encarecia o equipamento, tornava complexa sua operação e dificultava sua fabricação. Isso acabou inviabilizando sua <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2665917422002082?via%3Dihub">adoção em larga escala como dispositivo biomédico</a>.</p>
<p>Até que, alguns anos depois, <a href="https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2665917422002082?via%3Dihub">surgiram os novos magnetômetros baseados no fenômeno da magnetoimpedância gigante (GMI)</a>. Eles são sensores muito sensíveis, de baixo custo e capazes de funcionar à temperatura ambiente. Então, em 2008, <a href="https://iopscience.iop.org/article/10.1088/0957-0233/19/2/025801">adaptamos um novo protótipo</a> com essa nova tecnologia para aplicações médicas.</p>
<h2>Na busca por projéteis</h2>
<p>Porém, ainda nos restava outro desafio: nem todos os objetos metálicos são magnéticos. Exemplos importantes para a área médica são os projéteis de armas de fogo. Eles costumam ser feitos de chumbo, que não possui magnetismo residual. Para localizá-los, era necessário ir além.</p>
<p>Para solucionar essa questão, <a href="https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1742-6596/1044/1/012013">pensamos em formas</a> de magnetizar levemente os objetos metálicos dentro das pessoas, apenas o suficiente para permitir sua detecção pelos sensores. Em termos simples, criamos um pequeno campo magnético alternado (como o gerado por uma bobina elétrica) que gera correntes minúsculas no objeto.</p>
<p>Essas correntes produzem um campo magnético secundário, extremamente fraco, mas que pode ser detectado por magnetômetros GMI. Mas a primeira versão desse sistema tinha uma limitação. Os sensores acabavam sendo afetados pelo campo magnético primário, o que prejudicava a sensibilidade em casos de objetos muito pequenos ou profundos.</p>
<p>A última versão, que <a href="https://www.frontiersin.org/journals/physics/articles/10.3389/fphy.2024.1330887/full">publicamos recentemente na revista científica <em>Frontiers in Physics</em></a>, supera mais esse obstáculo com uma configuração inovadora. O novo sistema separa a parte que gera o campo magnético da parte que faz a medição. Para isso, usamos bobinas especiais, bem finas e achatadas, chamadas <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Solenoide">solenoides planares</a>, junto com sensores GMI colocados em posições estratégicas. Essa combinação impede que o campo magnético interfira na leitura dos sensores.</p>
<p>Essa estratégia aumentou a capacidade de detecção, permitindo localizar com precisão até pequenos fragmentos de projéteis de chumbo a maiores profundidades. Tudo de maneira não invasiva e sem expor pacientes à radiação ionizante, dentro dos limites de segurança estabelecidos pela <a href="https://www.icnirp.org/">Comissão Internacional de Proteção contra Radiação Não Ionizante</a> (ICNIRP).</p>
<p>Esperamos que essa tecnologia finalmente abra caminho para que seja possível difundir em larga escala, num futuro breve, um dispositivo portátil, acessível e seguro para uso clínico. E que isso possa fazer a diferença para as pessoas que passam por situações médicas tão variadas quanto a deglutição de uma moeda, a inalação de um brinco, a inserção acidental de uma agulha no corpo, ou que são vítimas de violência armada. E que os objetos metálicos perdidos nessas pessoas possam ser localizados com rapidez e precisão, reduzindo de forma significativa o tempo cirúrgico, os riscos de insucesso e os custos hospitalares.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/267396/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Carlos Roberto Hall Barbosa recebe financiamento das agências de fomento CNPq, FAPERJ, CAPES e FINEP.
</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Elisabeth Costa Monteiro recebe financiamento das agências de fomento CNPq, FAPERJ, CAPES e FINEP.</span></em></p>Brasileiros desenvolvem técnica precisa e acessível para localizar objetos metálicos no corpo, tornando cirurgias de remoção mais rápidas e eficazesCarlos Roberto Hall Barbosa, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Metrologia (PósMQI), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)Elisabeth Costa Monteiro, professora do Programa de Pós-Graduação em Metrologia (PósMQI), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2687552025-10-31T09:31:59Z2025-10-31T09:31:59ZPornografia da morte: o Brasil que naturaliza e celebra imagens de violência racial<p><em>Rio de Janeiro, 2025. De joelhos diante do filho morto, uma mãe negra ordena: <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/ao-menos-20-corpos-sao-levados-para-praca-da-penha-no-rio.shtml">“Removam o lençol”</a>. Ela exige que o mundo encare <a href="https://theconversation.com/bandido-bom-e-bandido-morto-no-atacado-a-velha-e-ineficaz-estrategia-da-seguranca-publica-268636">a maior chacina da história do Brasil</a>, nos complexos do Alemão e da Penha.</em></p>
<p><em>Mississippi, 1955. Mamie Till-Mobley enterra o filho, Emmett Till, de 14 anos, linchado por dois homens brancos, que o deixaram desfigurado. Mamie insistiu em um caixão aberto. “Deixe o mundo ver o que fizeram ao meu filho”, disse.</em></p>
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<p>Uma linha invisível conecta essas duas mães negras, separadas por sete décadas e um continente. Nesse vão temporal, uma pergunta ecoa: O que vem depois do olhar do mundo? Em 29 de outubro de 2025, o Brasil acordou com as imagens brutais do maior massacre patrocinado pelo Estado de sua história, no Complexo do Alemão e da Penha, <a href="https://theconversation.com/opiniao-operacao-mais-violenta-da-historia-do-rio-expoe-fracasso-da-politica-de-seguranca-e-um-estado-infiltrado-268561">com mais de 120 pessoas mortas</a>. Fotos e vídeos de dezenas de corpos – majoritariamente negros, todos pobres – inundaram as redes sociais e a mídia.</p>
<p>A reação de parte da sociedade diante das imagens da chacina foi celebratória. “Tenho as fotos dos corpos caso alguém queira ver”, comentou uma leitora no perfil do Instagram do Portal Metrópoles. Outro respondeu: “Vi as imagens e foi tão satisfatório”. </p>
<h2>Circulação de imagens de brutalidade podem reforçar dominação branca</h2>
<p>Há décadas, com a popularização dos meios de comunicação de massa visuais, estuda-se a ideia de que documentar a brutalidade racial seria um escudo protetor, uma evidência incontestável na argumentação pela igualdade. </p>
<p>Há quem defenda que a exposição da violência pode promover justiça. Por outro lado, <a href="https://news.richmond.edu/experts/black-history-culture-race/maurantonio.html">pesquisas</a> indicam que a circulação em massa de imagens de brutalidade racial, desde a escravidão e os linchamentos, banaliza o sofrimento, normaliza-o e, com isso, reforça as estruturas de dominação branca.</p>
<p>A existência de uma imagem explícita de violência, por si só, não garante que a mídia humanizará a vítima. Frequentemente, vê-se o oposto: narrativas que reforçam o racismo para justificar a brutalidade. </p>
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<p>A mídia hegemônica funciona como uma ponte que associa a negritude à criminalidade, criando e sustentando um sistema de representação que influencia a forma como a sociedade enxerga os indivíduos negros. A superexposição do negro como violento gera <a href="https://mobilization.kglmeridian.com/view/journals/maiq/26/1/article-p41.xml">“emoções negativas”</a> em relação a essa população, enfraquecendo, por exemplo, o apoio a protestos por igualdade racial.</p>
</blockquote>
<h2>A violência contra corpos negros como espetáculo</h2>
<p>Desde sua fundação, a imprensa hegemônica brasileira trata a violência contra corpos negros como espetáculo, como mostra a tese de doutorado “Do controle à libertação: uma genealogia de imagens de violência racial na mídia brasileira”. </p>
<p>O estudo olhou para o passado para entender o presente. No século XIX, pessoas negras eram retratadas na mídia quase exclusivamente no contexto da escravidão, com suas culturas e humanidade apagadas. Em 1866, a Semana Ilustrada, uma das publicações pioneiras do jornalismo com imagens no país, já se referia a um linchamento como um “espetáculo” que acontecia em uma praça pública, com público a ser entretido pela brutalidade.</p>
<p>Anos depois, em 1876, a Revista Illustrada, um dos periódicos mais relevantes daquele tempo, apresentava o desenho de dois homens negros, pendurados, inertes em postes, uma clara evocação de um linchamento. Nesta representação, o terror serve ao propósito do entretenimento. A colocação casual da cena ao lado de cartuns humorísticos normalizava a violência racial. A ausência de contexto ou de crítica sobre os assassinatos apresentava a antinegritude como uma história de terror inerente ao Brasil.</p>
<p>Nas primeiras décadas do século XX, nasceram as revistas policiais, como Vida Policial e o Archivo Vermelho, que, aos poucos, substituíram as ilustrações por fotografias, comercializando versões mais realistas da violência contra corpos negros como entretenimento. Essas publicações retratavam homens negros como “inimigos criminosos”, “bestiais” e “nascidos para o crime”. Exibiam seus corpos inertes como troféus desalmados, numa prática clara de vigilância e punição.</p>
<p>Na edição de número quatro da revista Vida Policial, de 1925, lê-se: “As fotografias são impressas para que a população sempre se lembre deles [criminosos]”. A justificativa acompanha um artigo que detalha a prisão de 21 homens, a maioria negros, acusados de roubo. O texto os descreve em termos desumanizadores: “São ladrões que, com a maior naturalidade e cinismo, invadem lares familiares e roubam tudo o que podem.” </p>
<p>A revista ainda transfere a responsabilidade punitiva das autoridades para os civis, argumentando: “Não importa o quão eficaz seja a polícia, cada família deve praticar sua própria profilaxia, policiando a si mesma, mantendo-se alerta e vigilante contra os malfeitores.” O artigo lista explicitamente os nomes dos suspeitos, incluindo pseudônimos de conotação racial, “Luiz Sujo”, um estereótipo degradante comum no Brasil do início do século XX.</p>
<h2>Programas de TV há muito associam negritude à criminalidade</h2>
<p>Puxar esse fio histórico leva aos programas policiais de TV do século XXI, como o “Brasil Urgente”, de José Luiz Datena, obcecado em associar negritude à criminalidade. O pesquisador Francisco Rüdiger analisa como o noticiário policial contribuiu para a normalização da violência racial no Brasil, especialmente após a ascensão desses programas na TV. Ele os descreve como uma “marcha fúnebre” que entorpece os brasileiros. A tristeza, o mal-estar e a resignação da sociedade diante do absurdo da violência estatal estão embutidos no jornalismo policial.</p>
<p>Uma ampla gama de estudos sobre o jornalismo policial brasileiro destaca como os programas mais populares criticam os altos índices de criminalidade do país, frequentemente focando em uma suposta baixa letalidade das forças policiais, mesmo que as imagens de violência racial em massa nessas mesmas mídias digam o contrário. </p>
<p>Rüdiger situa esses programas de TV no panorama político do Brasil antes e depois da ditadura, destacando uma mudança nas prioridades da mídia. Conforme observa o pesquisador, a mídia brasileira se rendeu progressivamente às forças de mercado e ao sensacionalismo, transformando o país em um “circo de horrores transmitido por satélite”.</p>
<h2>Dessensibilização ganha novos contornos com as redes sociais</h2>
<p>No século XXI, essa dessensibilização ganha novos contornos com as redes sociais. O conteúdo que antes estava confinado à TV e aos meios impressos agora cabe na palma da mão, inundando smartphones pelas redes sociais e outros aplicativos. </p>
<p>Representações racistas da violência estatal e policial se espalham, retratando policiais como heróis e os “criminosos” como corpos desviantes. A consequência é o espalhamento do pânico moral e o reforço do apoio de parte da população a essa violência.</p>
<p>A dessensibilização às imagens violentas contra corpos negros é um processo gradual. Começa com sementes de ideologia racista plantadas que crescem e mutam ao longo das gerações. A forma evolui – das caricaturas às fotos policiais e aos vídeos virais –, mas a raiz venenosa permanece: a ligação simbólica persistente entre negritude, violência e punitivismo. </p>
<p>A lição, como Audre Lorde e Malcolm X ensinam, é que a libertação do povo negro é uma luta de complexidade infinita — travada tanto contra as forças externas de desumanização quanto contra os valores opressivos internalizados. Um conflito secular, frequentemente reduzido ao espetáculo midiático.</p>
<p>Romper simbolicamente com essas representações depende da circulação de narrativas alternativas e do fortalecimento da mídia independente e negra. Enquanto a grande mídia reproduzia seu padrão histórico ao noticiar a morte de “60 bandidos” e lucrar com a barbárie – atuando como “afiador de faca”, como aponta <a href="https://catarinas.info/fabiana-moraes-precisamos-de-uma-democracia-radical/">Fabiana Moraes</a> –, a realidade era reconstruída de outra forma. Moradores e representantes de veículos como o <a href="https://www.instagram.com/vozdascomunidades/">Voz das Comunidades</a> resgatavam os corpos. Uma cena que, como observou o ativista Raull Santiago, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/ao-menos-20-corpos-sao-levados-para-praca-da-penha-no-rio.shtml">“entra para a história de terror do Brasil”</a>.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268755/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Leilane Menezes Rodrigues não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Há quem defenda que a exposição da violência pode promover justiça. Por outro lado, pesquisas indicam que a circulação em massa de imagens de brutalidade racial banaliza o sofrimento, normaliza-o e, com isso, reforça as estruturas de dominação branca.Leilane Menezes Rodrigues, Professora Assistente e Pesquisadora, Suffolk UniversityLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2679712025-10-30T13:24:53Z2025-10-30T13:24:53ZDesastre climático na região serrana do Rio em 2011 afetou gestantes e elevou casos de baixo peso ao nascer<p>Bebês ainda em gestação expostos a um dos maiores desastres climáticos da história recente do Brasil – <a href="https://g1.globo.com/rj/regiao-serrana/noticia/2022/02/15/em-2011-chuva-na-regiao-serrana-deixou-mais-de-900-mortos.ghtml">as chuvas extremas que devastaram a Região Serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011</a> – tiveram maiores riscos de nascer com peso inferior ao de outros bebês. Mais de uma década depois de um dos maiores desastres climáticos da história recente do Brasil, percebe-se que os impactos de longo prazo foram além da destruição material e do luto coletivo, atingindo também a saúde dessas crianças. </p>
<p>Na madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, a Região Serrana foi palco de uma tragédia sem precedentes. Em poucas horas, a combinação de chuvas torrenciais, <a href="https://www.confea.org.br/catastrofe-na-regiao-serrana-do-rio-ja-e-o-maior-desastre-climatico-do-pais">encostas instáveis</a> e urbanização desordenada resultou em mais de 900 mortes e deixou cerca de 45 mil pessoas desabrigadas. </p>
<p>A partir da análise de mais de 35 mil nascimentos entre 2010 e 2012, nossas pesquisas revelaram que filhos de gestantes no terceiro trimestre durante o desastre nasceram, em média, 53 gramas mais leves em comparação com outros bebês. E quando a mãe enfrentou chuvas intensas em mais de um trimestre da gestação, os efeitos se acumularam, resultando em reduções ainda mais significativas no peso ao nascer.</p>
<p>À primeira vista, algumas dezenas de gramas podem parecer pouco. Mas, em termos populacionais, essa diferença representa milhares de novos casos de baixo peso ao nascer. </p>
<h2>Crianças mais vulneráveis</h2>
<p>Definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como menos de 2.500 gramas, o <a href="https://www.paho.org/pt/noticias/16-5-2019-um-em-cada-sete-bebes-em-todo-mundo-nascem-com-baixo-peso">baixo peso ao nascer</a> é um indicador fundamental de saúde pública. Bebês que nascem com esse peso têm maior risco de mortalidade neonatal e infantil. Além disso, estudos mostram que essa condição está associada ao pior desempenho escolar e a menores oportunidades econômicas na vida adulta. Ou seja, o peso ao nascer revela não apenas a saúde imediata da criança, mas também as condições sociais e ambientais que marcaram a gestação, antecipando desigualdades que podem se perpetuar ao longo da vida.</p>
<p>Nosso estudo buscou entender os <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/saude/mudancas-climaticas-impactam-saude-de-gestantes-criancas-e-idosos-alerta-oms/">efeitos de um desastre natural sobre desfechos neonatais.</a> Para isso, recorremos a duas fontes principais: o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (<a href="http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sinasc/cnv/nvuf.def">SINASC</a>), que reúne dados de cada nascimento no país (peso do bebê, idade, escolaridade e raça da mãe, entre outros), e os registros diários de precipitação do <a href="https://portal.inmet.gov.br/">Instituto Nacional de Meteorologia (INMET),</a> que identificam os dias de chuva extrema em cada município.</p>
<p>Com o cruzamento dessas informações, analisamos os nascimentos nas cidades serranas de Nova Friburgo e Teresópolis entre 2010 e 2012. O desastre de janeiro de 2011, por sua abrangência e imprevisibilidade, configurou um “quase experimento natural”: uma situação que, embora trágica, possibilita comparar mães expostas e não expostas ao evento durante diferentes estágios da gestação.</p>
<p><a href="HTTPS://WWW.ANNUALREVIEWS.ORG/CONTENT/JOURNALS/10.1146/ANNUREV-SOC-091523-023313?CRAWLER=TRUE">Estudos internacionais</a> indicam que o primeiro trimestre costuma ser o mais sensível ao estresse materno. No Chile e nos Estados Unidos, por exemplo, terremotos afetaram sobretudo bebês expostos no início da gravidez. No caso da Região Serrana, porém, o terceiro trimestre foi o mais impactado.</p>
<p>Uma hipótese é o efeito acumulado da sucessão de chuvas fortes. Poucas semanas antes da tragédia, Teresópolis já havia registrado um episódio severo de precipitação, em <a href="https://oglobo.globo.com/rio/chuvas-provocam-alagamentos-em-varios-pontos-da-regiao-metropolitana-de-teresopolis-2905042">dezembro de 2010</a>. Esse acúmulo pode ter ampliado a vulnerabilidade das gestantes no final da gravidez, quando o corpo já se encontra em maior desgaste. Outra possibilidade é que mães expostas no início da gestação tenham conseguido algum tipo de adaptação ou recebido apoio ao longo dos meses, enquanto aquelas já no fim não tiveram tempo de se recuperar.</p>
<h2>Crise climática e de saúde pública</h2>
<p>Os dados também revelam desigualdades. Entre mães com maior escolaridade, o peso médio dos bebês variou pouco, independentemente da exposição. Já entre as que tinham poucos anos de estudo, a redução foi mais evidente nos grupos expostos. O recorte racial aponta na mesma direção: filhos de mães não brancas nasceram, em média, mais leves em quase todos os cenários. Esses resultados mostram como desigualdades sociais e raciais atravessam até mesmo os impactos biológicos da gestação.</p>
<p>Entre 2000 e 2025, o <a href="https://www.mpmt.mp.br/portalcao/news/731/155005/desastres-climaticos-no-brasil-aumentaram-460-em-relacao-aos-anos-1990">Brasil registrou mais de 160 desastres naturais</a>, a maioria relacionados a chuvas e enchentes. Com o avanço das <a href="https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-and-health">mudanças climáticas</a>, a expectativa é que esses eventos se tornem ainda mais frequentes e intensos.</p>
<p>Embora não possamos impedir a <a href="https://news.un.org/pt/story/2025/10/1851224">ocorrência de desastres</a>, é possível reduzir seus efeitos sobre gestantes. Investimentos em pré-natal, apoio psicológico, segurança alimentar e políticas emergenciais em áreas de risco são fundamentais para diminuir os danos. Afinal, o mesmo desastre pode ser devastador para uma mulher em situação de pobreza e quase imperceptível para outra em condições mais estáveis.</p>
<p>Nossa pesquisa ainda está em andamento e abre espaço para novas perguntas. Será que houve impacto também na duração da gestação, já que partos prematuros estão diretamente associados ao baixo peso? <a href="https://pmnch.who.int/news-and-events/news/item/03-03-2025-addressing-the-impacts-of-climate-change-on-maternal-newborn-and-child-health-and-building-climate-resilient-societies">Até que ponto políticas públicas de resposta emergencial conseguem amortecer esses efeitos</a>?</p>
<p>O que já sabemos é que o debate sobre mudanças climáticas precisa ir além da infraestrutura. Quando pensamos em desastres, é comum imaginar casas destruídas, encostas desmoronadas, perdas materiais. Mas os efeitos também se manifestaram nos corpos dos bebês, logo no início da vida. Isso mostra que a<a href="https://brasil.un.org/pt-br/83171-pa%C3%ADses-precisam-investir-mais-para-reduzir-nascimento-de-beb%C3%AAs-abaixo-do-peso-alerta-onu"> crise climática é, ao mesmo tempo, uma crise de saúde pública</a> — e que seus impactos começam ainda no útero.</p>
<hr>
<p><em>Esta pesquisa foi desenvolvida com recursos do Edital Bem-Estar e Saúde Infantil, com apoio financeiro da <a href="https://fundacaojles.org.br/n/">Fundação José Luiz Egydio Setúbal</a> e o apoio da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (<a href="https://anpocs.org.br/">Anpocs</a>).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/267971/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>É bolsista de doutorado do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX), financiado pela CAPES.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e do programa Cientista do Nosso Estado (FAPERJ)</span></em></p>Filhos de gestantes no terceiro trimestre durante o desastre nasceram, em média, 53 gramas mais leves em comparação com outros bebês. Bebês com baixo peso têm maior risco de mortalidade neonatal e infantil. Condição está associada ao pior desempenho escolar e a menores oportunidades na vida adulta.Natália da Silva Barcelos, Doutoranda em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Carlos Antonio Costa Ribeiro, Professor Titular de Sociologia no Programa de Pós-graduação em Sociologia, Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2680772025-10-30T13:24:15Z2025-10-30T13:24:15ZGrandes desafios: projeto de novos antibióticos é selecionado para consórcio global patrocinado pela Fundação Gates<p>A resistência aos antimicrobianos (AMR) representa um <a href="https://www.paho.org/pt/topicos/resistencia-antimicrobiana">problema de saúde pública</a> mundial. Foi estimado que aproximadamente 4,95 milhões de mortes em todo o mundo são associadas a infecções causadas por bactérias resistentes. E 1,27 milhão foram diretamente atribuídas a essas infecções.</p>
<p>Projeções indicam que, até 2050, o número de mortes diretamente atribuídas à AMR poderá ultrapassar 1,9 milhão. E as mortes associadas poderão alcançar 8,2 milhões, com impacto particularmente acentuado entre idosos.</p>
<p>As cepas de <em>K. pneumoniae</em> resistentes às cefalosporinas de terceira e quarta gerações ou carbapenêmicos têm sido reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como patógenos de prioridade crítica para a priorização de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos antibióticos, vacinas, diagnósticos e tratamentos. Essas bactérias têm se tornado resistentes a todos os antimicrobianos disponíveis para uso clínico.</p>
<p>Uma colaboração interdisciplinar liderada por nós, pesquisadores do <a href="https://www.gov.br/lncc/pt-br">Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC/MCTI)</a> e da <a href="https://portal.unifesp.br/">Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)</a>, em parceria com instituições do Brasil, México, Argentina, Uruguai, Chile, Portugal e Canadá, foi recentemente selecionada na prestigiada iniciativa internacional <a href="https://www.gatesfoundation.org/ideas/media-center/press-releases/2025/02/amr-bacteria-treatment-discovery">Global Grand Challenges – Gr-ADI (Gram-Negative Antibiotic Discovery Innovator)</a>.</p>
<p>Patrocinado pelas Fundações <a href="https://www.gatesfoundation.org/">Gates</a>, <a href="https://wellcome.org/">Wellcome</a> e <a href="https://novonordiskfonden.dk/en/">Novo Nordisk</a>, o programa apoia esforços inovadores voltados ao desenvolvimento de novos antibióticos capazes de combater infecções causadas por bactérias gram-negativas resistentes, consideradas uma das maiores ameaças à saúde pública global.</p>
<p>A proposta brasileira intitulada “Translational Approach with AI for Klebsiella Drug Discovery” foi pré-selecionada entre mais de 800 submissões. Após diversas análises técnicas realizadas por especialistas da Fundação Gates, foi oficialmente aprovada neste mês de outubro de 2025.</p>
<p>A iniciativa passa a integrar o consórcio global como um dos projetos finalistas e receberá financiamento significativo por 36 meses. O foco é a descoberta e validação de novos antibióticos, especialmente contra <a href="https://pmc-ncbi-nlm-nih-gov.translate.goog/articles/PMC10886558/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc"><em>Klebsiella pneumoniae</em></a>.</p>
<p>Essa bactéria é responsável por infecções graves, como pneumonias, infecções de corrente sanguínea e urinárias e abscessos hepáticos. E o tratamento tem se tornado cada vez mais difícil diante do aumento alarmante da <a href="https://www-sciencedirect-com.translate.goog/science/article/pii/S2950194625000147?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc">resistência aos antibióticos disponíveis</a>, incluindo os novos inibidores de betalactamases.</p>
<h2>Inteligência artificial e supercomputação</h2>
<p>O projeto terá início em dezembro de 2025 e está estruturado em quatro fases principais. Inicialmente, a priorização de alvos terapêuticos. Em seguida, faremos a validação funcional e genética. Posteriormente, partiremos para a descoberta de compostos ativos. Por fim, faremos a validação experimental de substâncias ativas contra os alvos selecionados.</p>
<p>O projeto tem como objetivo identificar e validar novos alvos terapêuticos e obter ao menos uma molécula com ação comprovada sobre um ou dois desses alvos, com potencial terapêutico contra <em>K. pneumoniae</em>.</p>
<p>Para isso, integra abordagens computacionais de última geração — como inteligência artificial (IA), modelagem molecular, bioinformática e triagem virtual. Além disso, prevê validação experimental por meio de ensaios biológicos. </p>
<p>Essas análises exigem grande capacidade de processamento, viabilizada pelo uso do <a href="https://sdumont.lncc.br/machine.php">Supercomputador Santos Dumont (SDumont)</a>, instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica, o mais potente da América Latina dedicado à pesquisa científica.</p>
<p>Um dos pilares tecnológicos do projeto será a aplicação de modelos de inteligência artificial generativa, desenvolvidos no próprio LNCC. Esses modelos utilizam uma abordagem multiobjetivo, capaz de propor novas moléculas potencialmente ativas contra alvos moleculares. E a ideia é validá-las de forma experimental ao longo do projeto.</p>
<p>Essas metodologias fazem parte do ecossistema de programas <a href="https://dockthor.lncc.br/v2/">DockThor-VS</a>, DockTDesign e DockTDeep. Todos desenvolvidos pelo Grupo de Modelagem Molecular de Sistemas Biológicos do LNCC.</p>
<p>O portal DockThor-VS (<a href="https://www.dockthor.lncc.br/">https://www.dockthor.lncc.br</a>), integrado ao supercomputador SDumont, é hoje uma das principais plataformas globais de triagem virtual em larga escala. </p>
<p>Somente nos últimos dois anos, mais de 40 mil simulações foram submetidas por pesquisadores de diversos países. Isto evidencia seu impacto e relevância internacional na descoberta de fármacos assistida por supercomputação.</p>
<h2>Grandes diferenciais</h2>
<p>Entre os principais diferenciais desta proposta está a sólida colaboração entre o Laboratório de Bioinformática (Labinfo) do LNCC e o <a href="https://cepid.fapesp.br/instituto-paulista-de-resistencia-aos-antimicrobianos-projeto-aries">Instituto Paulista de Resistência aos Antimicrobianos (ARIES)</a> da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - uma das maiores referências em resistência antimicrobiana no Brasil e no cenário internacional. </p>
<p>Juntas, as equipes conduziram o sequenciamento e a análise de um dos primeiros genomas completos de um isolado de <em>K. pneumoniae</em> produtor da carbapenemase KPC que, além de resistente aos antibióticos carbapenêmicos, também era resistente às polimixinas - a última opção terapêutica disponível naquela época. Essa colaboração, somada a estudos clínicos e epidemiológicos de resistência, fortalece a base translacional do nosso projeto.</p>
<p>A proposta se apoia na integração de múltiplas abordagens inovadoras e combina metodologias computacionais e experimentais de última geração. No eixo <em>in silico</em>, serão aplicadas ferramentas avançadas de inteligência artificial, bioinformática e modelagem molecular. Além disso, a pesquisa será reforçada pelo protocolo desenvolvido pelo grupo argentino Target Pathogen, em colaboração com especialistas da Fiocruz (BA), México, Uruguai e Chile.</p>
<p>Do ponto de vista experimental, o projeto contará com tecnologias de ponta como <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/CRISPRi">CRISPR interference (CRISPRi)</a> - uma técnica de silenciamento genético que permite inibir genes específicos para estudar sua função. Além do Ribo-seq, um método que analisa quais proteínas estão sendo produzidas pelas bactérias em condições de estresse. </p>
<p>Ensaios funcionais de expressão e inibição enzimática, de avaliações de concentração inibitória mínima, toxicidade e cristalografia de alguns alvos moleculares com compostos antimicrobianos promissores também serão realizados.</p>
<p>As etapas de síntese, otimização e testes microbiológicos serão conduzidas por grupos com experiência consolidada da UFRJ, da Unifesp e da <a href="https://umanitoba.ca/">Universidade de Manitoba do Canadá</a>. Essa integração entre diferentes frentes tecnológicas permitirá validar biologicamente os alvos identificados e comprovar, <em>in vitro</em> e <em>in vivo</em>, a eficácia das substâncias promissoras encontradas sobre os alvos validados.</p>
<h2>Antibióticos de nova geração</h2>
<p>A combinação entre priorização de novos alvos moleculares associada ao planejamento de novas moléculas por meio de IA generativa apoiada pela validação experimental é a chave para o desenvolvimento de antibióticos de nova geração.</p>
<p>Ser selecionado em uma concorrência internacional altamente competitiva, na qual a inovação científica foi um dos critérios centrais, reforça a relevância e a excelência da ciência brasileira e latino-americana em uma área de pesquisa considerada extremamente desafiadora e com potencial de beneficiar milhões de pessoas em todo o mundo.</p>
<p>É importante destacar que os avanços metodológicos e as pesquisas associadas a este projeto contam com o apoio de iniciativas financiadas pela <a href="https://www.faperj.br/">Fundação Carlos Chagas Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj)</a>, <a href="https://fapesp.br/">Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)</a> e pelo <a href="https://www.gov.br/cnpq/pt-br">Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)</a>.</p>
<hr>
<p><em>Este projeto tem a colaboração de uma equipe multidisciplinar brasileira e internacional e, além de nós, conta com a colaboração de Fabio Custódio, André Borges Farias e Maria Carolina del Valle Sisco Zerpa, do LNCC; Lídia Moreira Lima, da UFRJ; Fernanda Fernandes dos Santos e Marcelo Ferreira Marcondes Machado, da Unifesp; Pablo Ivan Pereira Ramos da Fiocruz Bahia; Priscilla Capriles, da Universidade Federal de Juiz de Fora; Adrian Turjanski e Dario Fernandez do Porto, da Facultad de Ciencias Exáctas y Naturales (FCEyN), da Universidade de Buenos Aires (Argentina); Pablo Smircich e José Sotelo, da Universidad de la República (Udelar) e Instituto Clemente Estable (Uruguai); Ernesto Pérez Rueda, da Universidad Nacional Autónoma de México (México); J. Eduardo Martinez-Hernandez, da Universidad de las Américas (Chile); Silvia Cardona da University of Manitoba, do Canadá; Pedro J. B. Pereira, da i3S – Universidade do Porto (Portugal).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268077/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Marisa Fabiana Nicolás é pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica - LNCC do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Ela recebe financiamento de pesquisa da FAPERJ, CNPq e CAPES. </span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Ana Cristina Gales é professora da Disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Ela presta consultoria para bioMérieux, Eurofarma, MSD, Pfizer, Roche e União Química. Ela recebe financiamento de pesquisa da FAPESP, CNPq e CAPES. </span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Isabella Alvim Guedes é pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica - LNCC do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Ela recebeu financiamento da FAPERJ através do edital Jovem Pesquisador Fluminense.</span></em></p><p class="fine-print"><em><span>Laurent Emmanuel Dardenne é pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica - LNCC do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI. Ele recebe financiamento da FAPERJ, do CNPq e da CAPES. </span></em></p>O foco do trabalho é a descoberta e validação de novos antibióticos, especialmente contra [Klebsiella pneumoniae. A bactéria é responsável por infecções graves, como pneumonias, infecções de corrente sanguínea e urinárias e abscessos hepáticos.Marisa Fabiana Nicolás, Pesquisadora Titular e professora permanente da Pós-graduação em Modelagem Computacional, Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)Ana Cristina Gales, Médica infectologista, professora associada e pesquisadora da disciplina de Infectologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)Isabella Alvim Guedes, Tecnologista Pleno II e docente permanente do Programa de Pós-graduação, Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)Laurent Emmanuel Dardenne, Pesquisador e líder do Grupo de Modelagem Molecular de Sistemas Biológicos, Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2686362025-10-29T19:14:37Z2025-10-29T19:14:37ZBandido bom é bandido morto no atacado: a velha e ineficaz estratégia da segurança pública<p>Em qualquer país do mundo que não esteja em guerra, uma atuação de agentes do Estado que provocasse mais de 100 mortos (o número final ainda é desconhecido) seria considerada uma tragédia histórica, um marco para repensar a atuação estatal, um motivo para abrir comissões parlamentares de inquérito que permitissem entender a catástrofe e evitar sua repetição.</p>
<p>Mas não para o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, que apresentou orgulhosamente a operação como a maior nunca vista e como evidência da sua firmeza contra o crime no dia em que Rio pareceu finalmente ultrapassar a <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Conflito_Gaza-Israel">guerra na faixa de Gaza</a> no número de vítimas fatais. Ele ainda precisa convencer as polícias de que uma operação com quatro policiais mortos é um sucesso.</p>
<p>A segurança pública tem como objetivo a preservação de direitos, dentre eles a vida em primeiro lugar. Por isso, qualquer ação policial deve ser planejada para minimizar os confrontos armados, não para promovê-los como um troféu.</p>
<p>Entretanto, na lógica bélica que inspira as políticas de segurança do Rio de Janeiro, a meta é causar o máximo número de baixas no “exército” inimigo, tal que o placar provisório de 120 a 4 lhes parece francamente favorável.</p>
<h2>Operação Contenção</h2>
<p>Nesse caso, o objetivo era o “quartel geral” do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Comando_Vermelho">Comando Vermelho</a> nos complexos da <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Penha_(Rio_de_Janeiro)">Penha</a> e do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_do_Alem%C3%A3o">Alemão</a>. Algo parecido, embora menos violento, foi tentado em <a href="https://globoplay.globo.com/v/9059624/">2010 no Complexo do Alemão</a>, com os resultados já conhecidos.</p>
<p>A ação, ironicamente chamada <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_policial_nos_complexos_da_Penha_e_do_Alem%C3%A3o">Operação Contenção</a>, causa espanto pelo número recorde de vítimas, pela <a href="https://theconversation.com/opiniao-operacao-mais-violenta-da-historia-do-rio-expoe-fracasso-da-politica-de-seguranca-e-um-estado-infiltrado-268561">longa fileira de mortos empilhados no chão</a> e pelo colapso que gerou na cidade com escolas e universidades fechadas e milhares de pessoas sem transporte para voltar em casa; por outro lado, deixa uma inconfundível sensação de déjà-vu na cidade.</p>
<h2>Invadir, matar e sair</h2>
<p>Trata-se da repetição, numa escala mais elevada, da velha estratégia de invadir territórios dominados pelos grupos criminosos, matar suspeitos, apreender algumas armas e drogas e sair depois para retornar alguns meses depois e repetir o ciclo.</p>
<p>As armas, as drogas e os mortos serão substituídos, se é que já não o foram, e as redes criminosas continuarão a funcionar de igual maneira.</p>
<p>E os custos para as populações que moram nesses locais são elevadíssimos: vítimas por bala perdida, impossibilidade de estudar ou trabalhar, problemas de saúde pelo estresse, baixo aprendizado das crianças, custos econômicos extraordinários e uma vida sob constante risco e ameaça.</p>
<p>Não é surpreendente que essa “guerra” sempre afete áreas periféricas e nunca atinja bairros de classe média-alta onde ela não seria tolerada.</p>
<p>Essa estratégia nunca conseguiu desarticular as facções criminosas, mas comprova a velha tradição da segurança pública no Brasil de dobrar a dosagem quando o medicamento não mostra os efeitos desejados.</p>
<h2>Premiação Faroeste</h2>
<p>Se o governo do Rio de Janeiro quisesse realmente enfraquecer o Comando Vermelho, poderia seguir a estratégia das <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Unidade_de_Pol%C3%ADcia_Pacificadora">UPPs na época inicial em que elas funcionavam</a>: tomar comunidades relativamente pequenas com grandes contingentes de policiais para inibir o confronto, e ficar depois nesses territórios para consolidar o controle. Ou poderia investigar os tentáculos financeiros e de lavagem de dinheiro que sustentam o crime organizado. Ou poderia, ainda, investigar os agentes públicos corruptos que estão sempre por trás dos grupos criminosos.</p>
<p>Mas o governo do Rio de Janeiro, provavelmente, queria gerar um fato político, para se apresentar como implacável contra o crime em ano pré-eleitoral, sabendo que a segurança pública será um dos principais motes da campanha.</p>
<p>Se a rotina continuar assim, os deputados que querem recriar a <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2025-09/dpu-denuncia-ilegalidade-da-gratificacao-faroeste#:%7E:text=Trata%2Dse%20de%20uma%20premia%C3%A7%C3%A3o,como%20diz%20o%20texto%20aprovado.">“premiação faroeste”</a>, que recompensava policiais que matavam nos anos 90, terão a partir de agora muitos policiais para premiar e uns quantos para enterrar.</p>
<p>O Brasil foi condenado pela <a href="https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.pdf">Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo caso Nova Brasília</a>, cuja sentença obriga ao Estado brasileiro a apresentar regularmente um relatório do uso da força letal, medida ainda não cumprida, e obriga ao Estado do Rio de Janeiro a apresentar planos de redução da letalidade policial.</p>
<p>Nesse cenário, o governador Castro joga simultaneamente para duas plateias contraditórias. Para o STF e para os setores mais progressistas, ele apresenta um plano de redução da letalidade e mostra dados que revelavam, até agora, uma redução da letalidade policial nos últimos três anos, como mostra o gráfico abaixo.</p>
<p>Redução registrada, diga-se de passagem, após a saída do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Wilson_Witzel">governador Wilson Witzel</a> que <a href="https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2018/11/01/a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo-afirma-wilson-witzel.htm">pregava atirar “na cabecinha” dos suspeitos</a> e após a <a href="https://www.mprj.mp.br/adpf-635">ADPF 635 em que o STF</a> colocou limites às operações policiais.</p>
<p>Já para os defensores do “bandido bom é bandido morto”, Castro organizou algumas megaoperações policiais com números recordes de mortes, recordes agora amplamente quebrados. A operação do 28 de outubro foi tão letal que será muito improvável confirmar a redução da letalidade em 2025, o que tornará difícil continuar mantendo os dois discursos simultaneamente. Talvez, por isso, <a href="https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/28/castro-chama-adpf-das-favelas-de-maldita-ao-citar-dificuldades-na-megaoperacao-no-alemao-e-na-penha.ghtml">o governador tenha chamado justo agora a ADPF 635 de “maldita”</a>.</p>
<p>Do ponto de vista tático, chama a atenção o alto número de mortos que têm sido retirados da mata. Até agora, a polícia do Rio não entrava na mata por considerá-la um terreno muito arriscado, nem sequer o <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalh%C3%A3o_de_Opera%C3%A7%C3%B5es_Policiais_Especiais">Bope</a> o fazia. Mas isso pode ter mudado agora e poderia ajudar a explicar também o alto número de policiais mortos.</p>
<p>Do ponto de vista discursivo, o governador usa o eufemismo “neutralizar” quando quer dizer matar, seguindo a mesma linguagem da proposta de lei que pretende recriar a “premiação faroeste”.</p>
<p>Mais preocupante ainda é o uso recorrente do termo <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Narcoterrorismo">“narcoterrorista”</a> para designar os suspeitos, na esteira <a href="https://www.dw.com/pt-br/o-que-revela-o-discurso-de-trump-sobre-narcoterrorismo-na-am%C3%A9rica-latina/a-74468599">do governo Trump</a> e de vários governos regionais como o de Equador e o de El Salvador.</p>
<p>Não existe uma definição universal de “terrorismo”, que continua sendo um termo em disputa, mas em geral considera-se terrorista quem persegue objetivos políticos de forma violenta, atacando a população civil. Nossas facções criminosas, brutais como elas são, almejam simplesmente o lucro.</p>
<p>A rigor, nenhuma legislação antiterrorista permite matar diretamente suspeitos de cometerem crimes, apenas costumam alongar prazos de detenção provisória e diminuir algumas garantias processuais.</p>
<p>Porém, o conceito de terrorista está sendo usado para justificar execuções sumárias, como as <a href="https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/10/eua-fazem-3a-missao-com-bombardeiros-perto-da-venezuela.shtml">cometidas pelo governo dos EUA contra tripulantes de lanchas nas costas venezuelanas e colombianas</a>. Aplica-se o direito de guerra (o Direito Internacional Humanitário) a situações de criminalidade onde vigora o Direito Internacional dos Direitos Humanos.</p>
<p>Na prática, supostos delinquentes são tratados como soldados inimigos a serem eliminados. Pena de morte sem julgamento, sem provas, sem direito de defesa. Garante-se assim que alguns inocentes serão também assassinados, tratados como baixas colaterais numa guerra, a guerra contra as drogas, que é impossível de ser vencida. Décadas, séculos de evolução jurídica e civilizatória são colocados em questão e a barbárie começa a ser normalizada. <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Hobbes">Hobbes</a> que se cuide.</p>
<hr>
<p><em>A publicação deste artigo foi financiada pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268636/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Ignacio Cano não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>A estratégia de invadir territórios, matar suspeitos, apreender algumas armas e drogas, nunca conseguiu desarticular as facções criminosas, mas comprova a velha tradição da segurança pública de dobrar a dosagem quando o medicamento não mostra os efeitos desejados.Ignacio Cano, Doutor em Sociologia, professor Titular, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2684672025-10-29T13:36:49Z2025-10-29T13:36:49ZA IA está mudando quem é contratado: saiba quais habilidades vão ajudar a manter você empregado<figure><img src="https://images.theconversation.com/files/698787/original/file-20251022-64-q71o41.jpg?ixlib=rb-4.1.0&rect=0%2C82%2C4897%2C3264&q=45&auto=format&w=1050&h=700&fit=crop" /><figcaption><span class="caption">O sucesso na era da IA pode depender menos de habilidades técnicas e mais do julgamento humano, da adaptabilidade e da confiança.</span> <span class="attribution"><a class="source" href="https://www.gettyimages.com/detail/illustration/man-and-humanoid-robot-working-face-to-face-royalty-free-illustration/2211086356">Malte Mueller/Getty Images</a></span></figcaption></figure><p>A empresa de consultoria Accenture <a href="https://tech.co/%20news/accenture-layoffs-ai-pivot?">demitiu recentemente 11.000 funcionários</a> enquanto <a href="https://www.ft.com/content/a74f8564-ed5a-42e9-8fb3-d2bddb2b8675?shareType=nongift">expandia seus esforços para treinar trabalhadores no uso da inteligência artificial</a>. Isso é um forte lembrete de que a mesma tecnologia que impulsiona a eficiência também está redefinindo o que é necessário para manter um emprego.</p>
<p>E a Accenture não está sozinha. A IBM já substituiu centenas de funções por sistemas de IA, ao mesmo tempo que criou novos empregos nas áreas de vendas e marketing. A Amazon cortou pessoal, mesmo enquanto expande as equipes que criam e gerenciam ferramentas de IA. Em todos os setores, desde <a href="https://www.bloomberg.com/news/articles/2025-01-09/wall-street-expected-to-shed-200-000-jobs-as-ai-erodes-roles">bancos</a> até <a href="https://healthexec.com/topics/healthcare-management/healthcare-staffing/largest-physician-owned-health-system-utah-braces-ai-driven-layoffs">hospitais</a> e a <a href="https://www.theguardian.com/technology/2025/jun/09/ai-advertising-industry-google-facebook-meta-ads">indústria criativa</a>, trabalhadores e gestores estão tentando compreender quais funções vão desaparecer, quais vão evoluir e quais novas vão surgir.</p>
<p>Eu <a href="https://www.lebow.drexel.edu/people/murugananandarajan">pesquiso e leciono</a> na <a href="https://www.lebow.drexel.edu/">Faculdade de Administração LeBow</a> da Universidade Drexel, estudando como a tecnologia muda o trabalho e a tomada de decisões. Meus alunos frequentemente perguntam como podem se manter empregáveis na era da IA. Executivos me perguntam como construir confiança em uma tecnologia que parece avançar mais rápido do que as pessoas conseguem se adaptar a ela. No fim das contas, ambos os grupos estão realmente perguntando a mesma coisa: quais habilidades são mais importantes em uma economia onde as máquinas podem aprender? </p>
<p>Para responder a essa pergunta, analisei os dados de duas pesquisas que meus colegas e eu realizamos neste verão. Na primeira, a <a href="https://www.lebow.drexel.edu/faculty-research/centers-institutes/applied-ai-business-analytics/lebow-precisely#research">Pesquisa sobre Integridade de Dados e Preparação para IA</a>, perguntamos a 550 empresas em todo os EUA como elas usam e investem em IA. Para a segunda, a <a href="https://www.lebow.drexel.edu/companies-careers/center-career-readiness/college-hiring-outlook">Pesquisa sobre Perspectivas de Contratação em Faculdades</a>, analisamos como 470 empregadores viam a contratação de nível básico, o desenvolvimento da força de trabalho e as habilidades de IA nos candidatos. Esses estudos mostram os dois lados da equação: aqueles que estão desenvolvendo IA e aqueles que estão aprendendo a trabalhar com ela. </p>
<h2>A IA está em toda parte, mas as pessoas estão preparadas?</h2>
<p>Mais da metade das organizações nos informou que a IA agora orienta a tomada de decisões diárias, mas apenas 38% acreditam que seus funcionários estão totalmente preparados para utilizá-la. Essa lacuna está remodelando o mercado de trabalho atual. A IA não está apenas substituindo os trabalhadores; ela está revelando quem está preparado para trabalhar com ela.</p>
<p>Nossos dados também mostram uma contradição. Embora muitas empresas agora dependam da IA internamente, apenas 27% dos recrutadores dizem que se sentem confortáveis com candidatos que usam ferramentas de IA para tarefas como escrever currículos ou pesquisar faixas salariais. </p>
<p>Em outras palavras, as mesmas ferramentas nas quais as empresas confiam para tomar decisões de negócios ainda levantam dúvidas quando os candidatos a emprego as utilizam para avançar na carreira. Até que essa visão mude, mesmo os trabalhadores qualificados continuarão recebendo mensagens contraditórias sobre o que realmente significa “<a href="https://oecd.ai/en/working-group-responsible-ai">uso responsável da IA</a>”.</p>
<p>Na Pesquisa sobre Integridade de Dados e Preparação para IA, essa lacuna de preparação ficou mais evidente em trabalhos operacionais e de atendimento ao cliente, como marketing e vendas. Essas são as mesmas áreas em que a automação está avançando rapidamente e as demissões tendem a ocorrer quando a tecnologia evolui mais rápido do que as pessoas conseguem se adaptar.</p>
<p>Ao mesmo tempo, descobrimos que muitos empregadores não atualizaram seus requisitos de diploma ou credenciais. Eles ainda estão contratando com base nos currículos de ontem, enquanto o trabalho de amanhã exige fluência em IA. O problema não é que as pessoas estão sendo substituídas pela IA, mas que a tecnologia está evoluindo mais rápido do que a maioria dos trabalhadores consegue se adaptar.</p>
<h2>Fluência e confiança: os verdadeiros fundamentos da adaptabilidade</h2>
<p>Nossa pesquisa sugere que as habilidades mais intimamente ligadas à adaptabilidade compartilham um tema, que chamo de “fluência em IA humana”. Isso significa ser capaz de trabalhar com sistemas inteligentes, questionar seus resultados e continuar aprendendo à medida que as coisas mudam.</p>
<p>Em todas as empresas, os maiores desafios residem na expansão da IA, garantindo a conformidade com os padrões éticos e regulatórios e conectando a IA a objetivos comerciais reais. Esses obstáculos não têm a ver com codificação, mas com bom senso.</p>
<p>Nas minhas aulas, enfatizo que o futuro favorecerá as pessoas que conseguirem transformar a produção das máquinas em insights humanos úteis. Chamo isso de bilinguismo digital: a capacidade de navegar com fluência tanto pelo julgamento humano quanto pela lógica das máquinas.</p>
<p>O que os especialistas em gestão chamam de “requalificação” – ou <a href="https://online.stanford.edu/what-upskilling-and-reskilling">aprender novas habilidades para se adaptar a uma nova função</a> ou a grandes mudanças em uma função antiga – funciona melhor quando as pessoas se sentem seguras para aprender. Em nossa <a href="https://www.lebow.drexel.edu/faculty-research/centers-institutes/applied-ai-business-analytics/lebow-precisely#research">Pesquisa sobre Integridade de Dados e Preparação para IA</a>, organizações com governança forte e alto nível de confiança eram quase duas vezes mais propensas a relatar ganhos em desempenho e inovação. Os dados sugerem que, quando as pessoas confiam em seus líderes e sistemas, elas estão mais dispostas a experimentar e aprender com os erros. Dessa forma, a confiança transforma a tecnologia de algo a ser temido em algo com que se pode aprender, dando aos funcionários a confiança necessária para se adaptarem.</p>
<p>De acordo com a <a href="https://www.lebow.drexel.edu/companies-careers/center-career-readiness/college-hiring-outlook">Pesquisa sobre Perspectivas de Contratação em Faculdades</a>, cerca de 86% dos empregadores agora oferecem treinamento interno ou <em>boot camps</em> online, mas apenas 36% afirmam que habilidades relacionadas à IA são importantes para cargos de nível básico. A maioria dos treinamentos ainda se concentra em habilidades tradicionais, em vez daquelas necessárias para os novos empregos em IA.</p>
<p>As empresas mais bem-sucedidas tornam o aprendizado parte do próprio trabalho. Elas criam oportunidades de aprendizado em projetos reais e incentivam os funcionários a experimentar. Costumo lembrar aos líderes que o objetivo não é apenas treinar as pessoas para usar a IA, mas ajudá-las a pensar junto com ela. É assim que a confiança se torna a base para o crescimento e como a requalificação ajuda a reter funcionários.</p>
<h2>Novas regras de contratação</h2>
<p>Na minha opinião, as empresas líderes em IA não estão apenas cortando empregos; elas estão redefinindo-os. Para ter sucesso, acredito que as empresas precisarão contratar pessoas que possam conectar a tecnologia com bom senso, questionar o que a IA produz, explicá-la claramente e transformá-la em valor comercial. </p>
<p>Nas empresas que estão colocando a IA em prática de forma mais eficaz, a contratação não se resume mais a currículos. O que importa é como as pessoas aplicam características como curiosidade e bom senso a ferramentas inteligentes. Acredito que essas tendências estão levando a novas funções híbridas, como tradutores de IA, que ajudam os tomadores de decisão a entender o que os insights da IA significam e como agir com base neles, e coaches digitais, que ensinam as equipes a trabalhar com sistemas inteligentes. Cada uma dessas funções conecta o bom senso humano à inteligência artificial, mostrando como os empregos do futuro combinarão habilidades técnicas com insights humanos.</p>
<p>Essa combinação de discernimento e adaptabilidade é a nova vantagem competitiva. O futuro não recompensará apenas os trabalhadores mais técnicos, mas aqueles que podem transformar a inteligência – humana ou artificial – em valor real.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268467/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Murugan Anandarajan não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Duas pesquisas realizadas com centenas de empresas revelam novos dados sobre o que os empregadores desejamMurugan Anandarajan, Professor of Decision Sciences and Management Information Systems, Drexel UniversityLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2685562025-10-29T11:09:45Z2025-10-29T11:09:45ZEm mais uma “megaoperação” desarticulada contra o crime no Rio, mais de 120 mortos e nenhuma solução<p>Quando comecei a escrever este artigo, o <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/28/operacao-contencao-forcas-de-seguranca-tentam-cumprir-mandados-de-prisao.ghtml">noticiário informava que</a> 64 mortes foram registradas no que já se tornou o dia mais letal da história da segurança pública do Rio de Janeiro. No fim desta quarta-feira, dia 29 de outubro, <a href="https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/29/megaoperacao-nos-complexos-do-alemao-e-penha-tem-119-mortos-confirmados-veja-numeros.ghtml">o número já subiu para 119 mortes confirmadas</a> e ainda cresce, com direito a imagens dantescas de corpos seminus expostos na rua, resgatados pelos próprios moradores. Imagens que trazem à lembrança duas das maiores chacinas da história do Brasil: Carandiru, em 1992, e Vigário Geral, em 1993.</p>
<p><a href="https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/28/um-dia-para-nao-ser-esquecido-entenda-a-dinamica-que-levou-a-mais-letal-operacao-policial-do-rio.ghtml">A Operação Contenção, capitaneada pelas forças estaduais e o Ministério Público estadual, tinha por objetivo fazer frente à expansão territorial da facção Comando Vermelho</a>. </p>
<p>Em resposta à ação policial deflagrada na área do Complexo do Alemão e da Penha, a cidade registrou uma série de distúrbios em várias áreas: ônibus sequestrados, barricadas incendiadas e pedras sendo lançadas contra viaturas policiais e carros que passavam por vias expressas. </p>
<p>Esse cenário de caos, infelizmente, não parece novidade para quem acompanha as notícias sobre o Rio de Janeiro. <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/operacao-no-alemao-e-na-penha-contra-o-cv-e-a-2a-mais-letal-do-rj.shtml">Chega-se ao dia mais sangrento da história</a> de um estado que se acostumou com a barbárie, por uma série de omissões e ações de agentes políticos e forças policiais que têm dobrado a aposta em estratégias ineficazes.</p>
<h2>Massacres desde a posse</h2>
<p>Em 2021, Cláudio Castro, eleito como vice-governador, se sentaria na cadeira do Palácio Guanabara após a conclusão do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Impeachment_de_Wilson_Witzel">processo de impeachment contra Wilson Witzel</a>. Cinco dias depois da posse, pôs sua assinatura em um <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/05/06/tiroteio-deixa-feridos-no-jacarezinho.ghtml">massacre ocorrido no Jacarezinho </a>- um sinal contundente do que seria seu governo nos anos seguintes. </p>
<p>Nos primeiros dias de sua gestão, policiais civis protagonizaram o que foi considerado, até o dia de hoje, como a maior chacina da história do Rio. Foram 28 mortos, sendo um deles um agente policial. As cenas que foram produzidas naquele dia e apresentadas à população em todos os jornais chocaram pela quantidade de sangue e pela sensação de que a população enfrentaria um dia seguinte sem mudanças significativas para suas vidas. Apenas poças de sangue para serem lavadas.</p>
<p>A primeira semana de seu governo, portanto, já começou com uma pilha de mortos. Desde o seu primeiro mandato à frente do Palácio Guanabara, o atual governador tem demonstrado uma incapacidade de pôr as forças de segurança sob seu comando, tendo sua autoridade questionada em uma série de ocasiões.</p>
<h2>Sem inteligência articulada, crime avançou</h2>
<p>Inaugurado pelo então governador <a href="https://dmjracial.com/2021/05/25/poder-do-estado-autonomia-das-policias/">Wilson Witzel, o desenho de dar autonomia para as polícias estaduais</a> esvaziou o papel de articulação e comando da Secretaria de Segurança Pública, que foi então extinta. Dessa maneira, Witzel e, atualmente, Castro, deram um sinal claro para as polícias conduzirem suas ações à sua maneira, sem articulação, sem comando e sem estratégia. </p>
<p>O resultado do descalabro na polícia foi o <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/comando-vermelho-passa-milicias-em-dominio-no-rio-de-janeiro-em-2023-diz-pesquisa/">avanço das facções criminosas, notadamente as milícias e, mais recentemente, o Comando Vermelho</a>. Aumentaram também os registros de ações de violência armada que levam ao fechamento de escolas e estabelecimentos de saúde nas áreas de influência mais direta do tráfico e da milícia. </p>
<p>Além de tudo isso, o governo se viu acuado sob a <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/10/18/alerj-aprova-alteracoes-na-lei-organica-da-policia-civil-que-permitem-nomeacao-de-novo-secretario.ghtml">ingerência política direta da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro na escolha dos chefes das polícias.
</a> Sob pressão e em nova mostra de falta de autoridade, o governador se viu obrigado a aceitar uma mudança de lei para desobstruir o caminho de Marcus Amim, conhecido como “delegado influencer”, à chefia da Polícia Civil. </p>
<p>Até então, <a href="https://leisestaduais.com.br/rj/lei-complementar-n-204-2022-rio-de-janeiro-">havia exigência em lei de 15 anos de experiência como delegado para assumir a chefia da Polícia Civil</a>, o que Amin não possuía à época. O comando de <a href="https://piaui.folha.uol.com.br/briga-dinastias-milicia-rio-de-janeiro-onibus-queimados/">Marcus Amin, no entanto, teria fim em menos de um ano</a>. </p>
<blockquote>
<p>Com isso, desde 2020, o Rio de Janeiro teve cinco chefes de Polícia Civil, tendo um deles ficado no cargo por apenas 17 dias, sinal claro de que falta um plano concreto para a segurança pública do estado.</p>
</blockquote>
<h2>Nada mudou: só a contagem de mortos e prejuízos</h2>
<p>Quando colocamos a operação ocorrida no dia 28 de outubro de 2025 em perspectiva, vemos que só o que realmente muda é a contagem de mortos, de crianças sem aula, de agentes feridos, não raro para patamares ainda maiores. </p>
<p>O governador Cláudio Castro tem vendido a ideia de que essa foi a maior operação da história do Rio de Janeiro, envolvendo 2.500 agentes. Dentro de sua lista de reclamações, o <a href="https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/10/28/castro-admite-que-estado-ultrapassou-sua-capacidade-de-combater-crime-e-que-pedidos-de-blindados-das-forcas-armadas-foram-negados.ghtml">governador assume que as forças de segurança estaduais não conseguem mais dar respostas efetivas aos problemas de segurança do Rio</a> e que seria necessário o envolvimento das forças armadas.</p>
<p>Caso o pleito seja atendido, não seria a primeira vez que algo desse tipo acontece. <a href="https://revista.forumseguranca.org.br/rbsp/article/view/1218">Em 2018, o Rio de Janeiro esteve sob Intervenção Federal na segurança pública</a>. A medida de força na época inédita significou a retirada de atribuições de competências do governador de turno, Pezão, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/interventor-nomeia-general-do-exercito-como-secretario-de-seguranca-do-rio.shtml">para que assumisse um interventor, Braga Netto, que nomeou um militar como secretário de segurança pública</a>. </p>
<p>Nos meses que se seguiram, centenas de operações foram realizadas pelas forças policiais em cooperação com as forças armadas. Ações envolvendo milhares de agentes, algumas com até 4 mil homens, tornaram-se corriqueiras em favelas e regiões periféricas da cidade. <a href="https://www.global.org.br/blog/2017-rio-de-janeiro-registra-maior-letalidade-policial-da-decada/">Naquele ano, o Rio de Janeiro atingiu a marca de 1.534 mortes cometidas por policiais, um aumento de 36% em relação a 2017.</a></p>
<p>E o que foi produzido sete anos depois além das cenas lamentáveis e desnecessárias que foram contabilizadas na megaoperação do Cláudio Castro? O que foi feito para coibir e enfrentar o braço econômico da facção do tráfico? Quais foram as estratégias traçadas para asfixiar os esquemas que garantem aos criminosos acesso a armamentos e munições? Quais serão as novas estratégias e como se coordenarão as forças de segurança para garantirem que a população não seja mais vítima do controle armado de grupos criminosos? </p>
<p>No próximos dias, os jornais seguirão noticiando os resultados desta operação até que uma nova “megaoperação” domine as manchetes. Enquanto isso, infelizmente, não haverá novidades aos moradores dos Complexos da Penha e do Alemão: eles irão acordar ainda sob o domínio armado do tráfico e continuarão à espera de políticas que produzam soluções - e não novas poças de sangue.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268556/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Pablo Nunes não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Desde 2020, o Rio de Janeiro teve cinco chefes de Polícia Civil, tendo um deles ficado no cargo por apenas 17 dias. Sinal claro de que falta um plano concreto para a segurança pública do estadoPablo Nunes, Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ e coordenador, Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2685572025-10-29T10:31:43Z2025-10-29T10:31:43ZA verticalização do conflito urbano: como drones de guerra migraram da Ucrânia para o crime no Brasil<p>Uma nova doutrina de combate urbano se impõe à medida que facções criminosas adotam tecnologias de baixo custo para desafiar o monopólio aéreo do Estado, transformando os céus das metrópoles em um novo e perigoso campo de batalha.</p>
<p>O que antes era o domínio exclusivo de potências militares, o poder aéreo, foi abruptamente democratizado. Não por um tratado de paz ou pela ascensão de uma nova nação, mas pela proliferação de tecnologia de consumo. </p>
<p>Em 28 de outubro de 2025, durante uma megaoperação com 2.500 policiais nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, o Estado brasileiro foi confrontado com uma nova e audaciosa realidade tática: <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/28/operacao-contencao-forcas-de-seguranca-tentam-cumprir-mandados-de-prisao.ghtml">o uso ostensivo de drones armados</a>, operados por traficantes, para atacar diretamente as forças de segurança. </p>
<p>Lançando granadas e bombas de fumaça sobre os agentes em solo, o Comando Vermelho (CV) não apenas retaliou a incursão, mas sinalizou <a href="https://exame.com/brasil/uso-de-drones-com-granadas-escala-poder-do-crime-dizem-delegados/">a inauguração de uma nova era</a> no conflito urbano assimétrico.</p>
<p>Este evento não foi um ato isolado, mas o ápice de uma rápida e perigosa curva de aprendizado criminal, cujo manual foi escrito a milhares de quilômetros de distância, nos campos de batalha da Ucrânia. <a href="https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/guerra-na-ucrania-entenda-por-que-ataques-com-drones-tem-sido-cada-vez-mais-comuns/">A guerra iniciada em 2022 consolidou-se como o maior laboratório</a> de inovação em veículos aéreos não tripulados (VANTs) da história, transformando drones comerciais baratos em armas letais de alta eficácia. </p>
<p>As táticas, técnicas e procedimentos desenvolvidos e aprimorados nesse conflito transbordaram para o mundo, sendo rapidamente assimilados por atores não estatais, de cartéis mexicanos a facções brasileiras, que viram na tecnologia uma oportunidade de verticalizar seus confrontos e desafiar a autoridade do Estado a partir dos céus.</p>
<h2>O laboratório ucraniano: um manual de guerra “open source”</h2>
<p><a href="https://www.idn.gov.pt/pt/publicacoes/nacao/Documents/NeD165/NeDef165_AntonioEugenio.pdf">A invasão russa forçou a Ucrânia</a> a uma inovação desesperada e descentralizada. Grupos de voluntários e entusiastas de tecnologia, como a notória organização Aerorozvidka, começaram a adaptar drones comerciais, como os da <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/clm9x9kp0rgo">DJI, para missões de vigilância e reconhecimento</a>, direcionando fogo de artilharia com precisão devastadora. A evolução para o uso ofensivo foi orgânica e engenhosa. Os mesmos drones foram modificados para transportar e soltar granadas, explorando a vulnerabilidade da blindagem superior de tanques.</p>
<p>O ponto de virada tático, no entanto, foi <a href="https://mssdefence.com/pt/blogue/a-evolucao-no-campo-de-batalha-os-ultimos-drones-fpv-na-guerra-moderna/">a ascensão do drone FPV (First-Person View)</a>. Originalmente projetados para corridas amadoras, esses pequenos e ágeis aparelhos, pilotados em tempo real através de óculos especiais, foram transformados em mísseis guiados de baixo custo. Com um custo de poucas centenas de dólares, um drone FPV carregado com explosivos podia neutralizar um ativo militar de milhões, estabelecendo uma nova e brutal assimetria econômica no campo de batalha.</p>
<p>Talvez o legado mais perigoso do conflito seja a disseminação global desse conhecimento. <a href="https://cnnportugal.iol.pt/videos/modificar-equipar-testar-como-a-ucrania-faz-dos-drones-uma-das-principais-armas-para-combater-os-russos/650f28580cf265bc9681399c#:%7E:text=SIGA%20A%20CNN.%20%C3%9ALTIMAS%20%C2%B7%20V%C3%8DDEOS%20%C2%B7,testar:%20como%20a%20Ucr%C3%A2nia%20faz%20dos%20drones">Vídeos de combate, tutoriais de modificação e discussões táticas</a>, amplamente compartilhados em diversas plataformas, criaram um “manual de instruções” de código aberto para a guerra de drones. O que foi aperfeiçoado na Europa Oriental tornou-se <a href="https://revistaforum.com.br/global/2022/3/11/conhea-drone-tosco-da-ucrnia-que-virou-terror-dos-russos-111390.html">acessível a qualquer grupo no mundo</a>, fornecendo um roteiro detalhado para a militarização de tecnologia civil.</p>
<h2>A disseminação global: dos cartéis mexicanos ao crime brasileiro</h2>
<p>As lições da Ucrânia não tardaram a ser aplicadas no crime organizado transnacional. No México, cartéis como o Jalisco Nueva Generación (CJNG) e o de Sinaloa, que já utilizavam drones de forma rudimentar para contrabandear drogas através da fronteira com os EUA, escalaram rapidamente seu uso. O CJNG tornou-se pioneiro ao <a href="https://smallwarsjournal.com/2020/10/06/mexican-cartel-tactical-note-46-weaponized-drones-aerial-improvised-explosive-devices/">armar drones com explosivo plástico C4</a> e estilhaços improvisados para atacar rivais, chegando a institucionalizar essa capacidade com a criação de uma unidade especializada, os “Operadores Droneros”.</p>
<p>No Brasil, a trajetória foi similar, mas ainda mais veloz. A primeira fase de adoção focou-se na logística: drones eram usados como “mulas” aéreas para entregar drogas, armas e celulares em presídios, como <a href="https://www.pc.rs.gov.br/policia-civil-deflagra-a-operacao-mavick-em-sete-estados-para-desmantelar-esquema-de-lavagem-de-dinheiro-e-trafico-de-drogas">desarticulado pela “Operação Mavick”</a> no Rio Grande do Sul, que revelou uma rede criminosa que importava drones do Paraguai e da China para esse fim.</p>
<p>A segunda fase foi a da inteligência. As facções passaram a usar drones para vigilância de territórios rivais e, de forma mais alarmante, para contra-vigilância, <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/1120700-uso-criminoso-de-drones-cresce-no-pais-e-mobiliza-profissionais-da-seguranca-publica/">monitorando pátios de delegacias e batalhões</a> na véspera de operações policiais, neutralizando o elemento surpresa.</p>
<p>A terceira e mais perigosa fase foi a da militarização para o combate. Em julho de 2024, um <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/07/09/como-funciona-drone-que-lancou-granada-em-favela-do-rio.ghtml">drone foi filmado lançando um explosivo</a> contra membros do CV no Rio. Segundo testemunhas, o drone teria sido pilotado por traficantes ligados ao Terceiro Comando Puro (TCP). </p>
<p>Em setembro, a Polícia Federal deflagrou a “<a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/09/16/pf-deflagra-a-operacao-buzz-bomb-no-rio-de-janeiro.ghtml">Operação Buzz Bomb</a>” para coibir o uso de drones lança-granadas pelo CV após um ataque contra milicianos. A guerra entre facções já havia se verticalizado. O ataque direto às forças do Estado era o próximo passo lógico.</p>
<h2>O ponto de inflexão: o ataque no Rio de Janeiro</h2>
<p>O ataque de 28 de outubro de 2025 foi um divisor de águas. Foi o primeiro uso ostensivo dessa tática contra agentes do Estado no Brasil. Investigações da Polícia Federal e da Polícia Civil confirmam a conexão direta: os <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/criminosos-podem-adaptar-drone-comum-para-lancar-bombas-com-garra-que-custa-r-120.shtml">traficantes aprenderam a adaptar e empregar os drones como armas</a> observando vídeos de combates na Ucrânia.</p>
<p>A tecnologia por trás dos ataques é assustadoramente acessível. Drones comerciais, que custam entre R$ 7.000 e R$ 50.000, são modificados com “garras” ou ganchos que podem ser comprados por apenas R$ 120 para soltar cargas explosivas por controle remoto. <a href="https://www.rtp.pt/noticias/pais/software-limita-voo-dos-drones-embora-com-alguma-vulnerabilidade_a1010792">Programadores desbloqueiam as limitações</a> de software dos fabricantes, permitindo que os aparelhos voem a altitudes e distâncias muito maiores, tornando a localização do operador extremamente difícil.</p>
<p>A ampla visibilidade do ataque representa um catalisador para a proliferação da tática, com o risco de que outros grupos criminosos queiram “fazer igual”, elevando o nível da ameaça. A preocupação é que a tática se dissemine rapidamente, sendo adotada por facções rivais e outros grupos paramilitares. Este cenário representa uma perigosa escalada no confronto, adicionando um grau de dificuldade sem precedentes para as forças de segurança e sinalizando uma situação que demanda uma resposta urgente, antes que saia de controle.</p>
<h2>A resposta do Estado: uma corrida contra o tempo</h2>
<p>A escalada pegou o Estado em uma posição reativa, forçando uma corrida para desenvolver respostas em múltiplas frentes. No Congresso, <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2461352">projetos de lei como o PL 3835/24</a> buscam tipificar como crime específico o uso de drones por organizações criminosas, com penas de até doze anos de reclusão. No entanto, a agilidade do crime contrasta com a lentidão do processo legislativo.</p>
<p>No campo operacional, a demanda é pela criação de uma doutrina nacional para o enfrentamento da ameaça aérea. Ações proativas, como a “Operação Buzz Bomb”, que focou em prender o operador do drone em vez de apenas o equipamento, mostram um caminho estratégico. Contudo, a resposta mais urgente é tecnológica.</p>
<p>O Estado busca adquirir <a href="https://aeroscan.com.br/sistema-anti-drone-o-que-e-impacto/">sistemas antidrone</a> (C-UAS), mas a escolha é complexa. Soluções de interferência (jamming) ou cinéticas (abate a tiros) são extremamente arriscadas em ambientes urbanos densos como as favelas, pois a queda de um drone carregado com explosivos pode ser catastrófica. A tecnologia mais promissora é a de “take-over” ou “soft-kill”, como o sistema <a href="https://d-fendsolutions.com/pt-br/por-setor/seguranca-nacional-e-defesa-nacional/">EnforceAir</a>, que permite assumir o controle do drone invasor e pousá-lo em uma área segura, neutralizando a ameaça sem risco colateral. Essa tecnologia, segundo especialistas, pode devolver a vantagem tática às forças de segurança.</p>
<p>A verticalização do conflito urbano é uma realidade irreversível. A inação ou uma resposta fragmentada permitirá que o poder aéreo se consolide nas mãos do crime organizado, com consequências imprevisíveis para a segurança pública e a estabilidade do Estado. O que aconteceu nos céus do Rio de Janeiro não foi apenas um ataque; foi uma declaração de que o campo de batalha mudou, e o Estado precisa, urgentemente, aprender a lutar nesta nova dimensão.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268557/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Roberto Uchôa de Oliveira Santos não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>O que antes era o domínio exclusivo de potências militares, o poder aéreo, foi abruptamente democratizado. Não por um tratado de paz ou pela ascensão de uma nova nação, mas pela proliferação de tecnologia de consumoRoberto Uchôa de Oliveira Santos, Pesquisador e doutorando, Centro de Estudos Sociais, Universidade de CoimbraLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2685542025-10-28T22:41:37Z2025-10-28T22:41:37ZAnálise: O crime organizado se tornou o maior negócio do Brasil - e sua mais séria ameaça<p>O Rio de Janeiro revela-se uma cidade cada vez mais sitiada pelo crime organizado. Na manhã de 28 de outubro de 2025, carros blindados da polícia <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/clyg64e15j0o">entraram nos complexos do Alemão e da Penha</a> para prender líderes de quadrilhas. Houve tiroteios, avenidas foram bloqueadas, ônibus sequestrados, universidades e escolas foram fechadas, e drones lançaram explosivos improvisados sobre os policiais que avançavam. Até o início desta terça-feira 29, o estado <a href="https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2025/10/29/corpos-sao-levados-por-moradores.ghtml">já havia confirmado 81 pessoas presas e 121 mortos</a> na Operação Contenção, entre eles quatro policiais, no confronto mais sangrento da em um único dia no Rio em décadas. </p>
<p>A economia criminosa do Brasil deixou os becos para ocupar também salas de reuniões, constar de balanços patrimoniais e cadeias de suprimentos essenciais. Na última década, o mercado criminoso do Brasil <a href="https://www.brookings.edu/articles/the-internationalization-of-organized-crime-in-brazil/">se expandiu</a> por todos os estados e até mesmo em outros continentes. As maiores facções de drogas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), estão no centro de redes franqueadas. </p>
<p>As milícias do Rio, grupos paramilitares formados por policiais na ativa e aposentados, monetizam o <a href="https://www.opendemocracy.net/en/democraciaabierta/rio-de-janeiros-militia-on-rise-ag/">controle territorial</a> por meio de proteção, transporte, construção e serviços públicos. À medida que esses grupos se profissionalizaram, eles <a href="https://globalinitiative.net/analysis/coercive-brokers-militias-rio/">diversificaram suas operações</a>, que vão do tráfico de cocaína ao contrabando de ouro, pagamentos digitais e serviços públicos. Quando os grupos armados do Brasil competem por mercados ilícitos, <a href="https://international-review.icrc.org/articles/editorial-organized-crime-in-armed-conflicts-923">a violência pode atingir níveis</a> comparáveis aos de zonas de guerra.</p>
<p>Nada ilustra melhor o novo modelo de negócios do que o comércio ilegal de combustíveis. Como <a href="https://theconversation.com/the-rise-of-brazils-fuel-mafias-and-their-gas-station-money-laundering-machines-254422">escrevi</a> no The Conversation no final de agosto, as autoridades executaram cerca de 350 mandados em oito estados na <a href="https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2025/agosto/operacao-carbono-oculto-rrb-e-orgaos-parceiros-combatem-organizacao-responsavel-por-sonegacao-e-lavagem-de-dinheiro-no-setor-de-combustiveis">Operação Carbono Oculto</a>, alegando bilhões de reais lavados por meio de importações de derivados de petróleo e uma rede de mais de mil postos de gasolina. </p>
<p>De 2020 a 2024, cerca de R$ 52 bilhões em <a href="https://www.ft.com/content/950c77e9-f311-4833-b74e-aed42b14e6bf">fluxos suspeitos</a> passaram por <em>fintechs</em>, uma delas agindo como um banco paralelo. Fundos fechados supostamente investiram em usinas de etanol, frotas de caminhões e um terminal portuário, dando aos lucros ilícitos um verniz de respeitabilidade. </p>
<p>No mercado financeiro, os investidores estão cientes dos perigos. Nos últimos meses, os fundos de investimento <a href="https://www1.folha.uol.com.br/internacional/en/business/2025/06/investors-in-brazil-begin-assessing-the-risk-of-criminal-factions-in-their-investments.shtml">finalmente começaram a</a> tratar a infiltração criminosa como um risco material. Os analistas estão analisando cada vez mais quais cadeias logísticas, instituições de pagamento e fornecedores regionais podem estar expostos. </p>
<h2>Governança criminosa</h2>
<p>Equipes de segurança corporativa estão <a href="https://newsletters.brazilian.report/p/pcc-business-risk-wealth-migration-census">mapeando extorsão</a> e controle das milícias em setores da cadeia produtiva com a mesma atenção dedicada às ameaças cibernéticas. A reação do mercado aos <a href="https://www.reuters.com/business/energy/brazil-carries-out-raids-crackdown-organized-crime-fuel-sector-2025-08-28/">ataques de agosto</a>, feitos em resposta à operação “Carbono Oculto”, foi um lembrete: o crime organizado não apenas gera violência, mas distorce a concorrência, prejudica as empresas em conformidade e impõe um imposto oculto aos consumidores. Não é de surpreender que, em setembro, o Ministro da Fazenda Fernando Haddad <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/geral/noticia/2025-09/brazil-sets-police-unit-tackle-organized-crime">tenha anunciado</a> a criação de uma nova unidade policial dedicada a combater crimes financeiros.</p>
<p>A “governança criminosa” se espalhou das prisões para os centros financeiros. Nos feudos do Rio, as quadrilhas e milícias operam como bandidos tradicionais, controlando o território e as cadeias de suprimentos. Enquanto isso, as franquias do PCC e do CV se expandiram para <a href="https://globalinitiative.net/analysis/organized-crime-is-driving-a-deadly-surge-in-violence-in-brazil/">o interior</a> e <a href="https://foreignpolicy.com/2023/08/06/amazon-drugs-coca-cocaine-deforestation-environment-biodiversity-climate-change-criminal-brazil-peru-colombia-bolivia-lula-logging/">para a Amazônia</a>, buscando auferir lucros maiores através do contrabando de ouro e madeira e da logística fluvial ilícita. Essas facções estão <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/cv-e-pcc-negociam-com-grupos-colombianos-compra-e-transporte-de-drogas-na-amazonia-diz-abin.shtml">operando além das fronteiras</a>, com organizações criminosas da Colômbia, Peru e Venezuela. </p>
<h2>Ferramentas de fiscalização não acompanharam a evolução do crime</h2>
<p>O número de vítimas humanas continua a ser impressionante, mesmo com a melhora das estatísticas agregadas nacionais. Em 2024, o Brasil registrou <a href="https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2025/07/anuario-2025.pdf">44.127 mortes violentas intencionais</a>, o nível mais baixo desde 2012, mas que ainda assim significa mais de 120 homicídios por dia. A geografia da intimidação se expandiu: uma <a href="https://www1.folha.uol.com.br/internacional/en/brazil/2025/10/criminal-gangs-and-militias-already-operate-in-areas-home-to-285-million-brazilians-datafolha-shows.shtml">pesquisa do Datafolha</a> encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública constatou que 19% dos brasileiros - cerca de 28,5 milhões de pessoas - vivem atualmente em bairros com presença clara de facções ou milícias, um aumento de cinco pontos em um ano.</p>
<p>As ferramentas de fiscalização do Estado não acompanharam a evolução do modelo de negócios do crime organizado. Incursões espetaculares e ocupações temporárias trazem manchetes e contagem de corpos, mas pouca perturbação do mercado. As polícias estaduais, há muito consideradas <a href="https://www.theguardian.com/global-development-professionals-network/2016/aug/03/rio-police-violent-killing-olympics-torture">as mais letais do mundo</a>, raramente desarticulam grupos criminosos. </p>
<p>As políticas estaduais e municipais também tornaram-se cada vez mais vulneráveis: financiamento de campanhas ou contratos de obras públicas e licenciamento tornaram-se canais para o poder do crime. A operação federal em agosto foi uma rara exceção e a prova de um conceito: o do trabalho integrado de policiamento visando o dinheiro do crime, não apenas os homens com rifles.</p>
<p>Se os legisladores brasileiros estão falando sério, eles precisam tratar o crime organizado como uma falha do mercado nacional e reagir em nível nacional. Isso começa colocando o governo federal no comando de <a href="https://globalinitiative.net/analysis/lessons-from-organised-crime-task-forces-brazil-and-beyond/">forças-tarefa interinstitucionais</a> permanentes que unam a polícia federal, a procuradoria-geral, a autoridade fiscal, as unidades de inteligência financeira, os reguladores de combustível e de mercado, além do Banco Central.</p>
<h2>É preciso mais condenações e menos contagens de corpos</h2>
<p>Essas equipes precisarão de um mandato claro para operar além das fronteiras estaduais e realizar quatro tarefas simples: rastrear pagamentos de risco em tempo real; publicar uma lista confiável de quem realmente é proprietário de empresas que controlam combustível, portos e outros ativos estratégicos; conectar dados fiscais, alfandegários, de concorrência e de mercados para que uma bandeira vermelha em um lugar acione verificações nos outros; e usar tribunais rápidos para congelar e recuperar dinheiro sujo. </p>
<p>Os incentivos precisam ser alterados para que a polícia e os promotores sejam recompensados por condenações e apreensões de ativos, e não pela contagem de corpos. E onde grupos criminosos assumiram o controle de serviços como transporte ou serviços públicos, eles precisam ser colocados sob controle federal temporário e realizar licitações limpas e monitoradas de perto para devolvê-los aos fornecedores legais.</p>
<p>O Brasil já provou que pode realizar grandes incursões com efeitos devastadores contra o crime. O teste agora é fazer com que o trabalho mundano da lei - investigações, criação de casos, conformidade e contabilidade - seja mais decisivo do que o espetáculo. Se isso não for possível, o próximo fechamento de uma grande cidade será uma só uma questão de tempo.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268554/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Robert Muggah é afiliado ao Instituto Igarapé e à SecDev.
</span></em></p>A economia criminosa do Brasil deixou os becos para ocupar também salas de reuniões, constar de balanços patrimoniais e cadeias de suprimentos essenciaisRobert Muggah, Richard von Weizsäcker Fellow na Bosch Academy e Co-fundador, Instituto IgarapéLicensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2666292025-10-28T15:03:16Z2025-10-28T15:03:16ZAbandono de patrimônio histórico nas capitais expõe conflitos entre interesses público e privado<p>A preservação do patrimônio histórico brasileiro vive uma crise alarmante. O que poderia ser orgulho e motor de desenvolvimento se tornou tema de preocupação silenciosa. Imóveis simbólicos desabam, vítimas do abandono, da burocracia e de uma legislação que restringe, mas pouco auxilia.</p>
<p>Cidades como Salvador, Oeiras, Curitiba e Cuiabá, com histórias distintas, compartilham a mesma realidade. Falta equilíbrio entre o valor público dos bens históricos e o direito à propriedade privada. Um exemplo marcante dessa crise é o desabamento do <a href="https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2024/01/25/predio-que-abrigou-restaurante-citado-em-obra-de-jorge-amado-e-interditado-por-causa-de-risco-de-desabamento.ghtml">prédio do antigo Restaurante Colon, em Salvador</a>.</p>
<p>O edifício, tombado pelo <a href="https://www.gov.br/iphan/pt-br">Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)</a>, foi interditado por risco estrutural. Permaneceu sem reformas, até colapsar em janeiro de 2024. O caso escancarou a inação do poder público, gerando forte reação popular.</p>
<p>O Colon era mais do que um restaurante. Era um símbolo da vida boêmia e da memória afetiva de Salvador, presente nos livros de Jorge Amado. Sua perda acendeu debates sobre a ausência de incentivos e suporte técnico aos proprietários de imóveis tombados.</p>
<p>Órgãos de proteção atuam de maneira lenta e burocrática. Falta ação efetiva, mesmo após notificações e alertas. As limitações impostas aos donos dificilmente vêm acompanhadas de apoio financeiro ou institucional, levando ao abandono e à ruína.</p>
<p>No Piauí, a história da <a href="https://piauihoje.com/noticias/municipios/casarao-construido-no-seculo-xix-desaba-no-centro-de-oeiras-78531.html">Pensão Portela, em Oeiras,</a> reforça esse padrão de descaso. O casarão do século XIX marcou a arquitetura local e hospedou figuras ilustres. Desde os anos 2000, entrou em processo de ruína, apesar dos apelos ao IPHAN e ao Ministério Público.</p>
<p>A resposta nunca veio de forma concreta. O imóvel foi quase destruído e a frustração tomou conta da população. O prédio, <a href="https://www.caupi.gov.br/confira-a-lista-de-patrimonios-tombados-do-iphan/?utm_source=openai">tombado pelo patrimônio nacional</a>, representava parte importante da história política regional, agora perdida.</p>
<p>Em <a href="https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/predio-historico-no-centro-de-curitiba-debuta-no-abandono-1ctz0e4ttgwzonade0s2zwu4l/">Curitiba, o antigo casarão da Rua Barão do Rio Branco</a> ficou abandonado. Por décadas, abrigou a Delegacia de Homicídios e, depois, foi listado como <a href="https://leismunicipais.com.br/plano-de-zoneamento-uso-e-ocupacao-do-solo-curitiba-pr">Unidade de Interesse de Preservação</a>, mas sem tombamento formal. O imóvel ficou desocupado por mais de 15 anos, restando apenas a fachada.</p>
<h2>Ausência de políticas urbanas integradas</h2>
<p>A falta de ação conjunta entre prefeitura, órgãos de patrimônio e setor privado agravou o quadro. O casarão virou ponto de insegurança, vandalismo e desvalorização imobiliária. A ausência de políticas urbanas integradas impede soluções para reverter a degradação.</p>
<p>O edifício, agora em ruínas, simboliza a insegurança jurídica e a falta de políticas consistentes para a preservação. Experiências pontuais de revitalização em Curitiba mostram que é possível reverter esse cenário. Mas, sem articulação, a exceção não vira regra.</p>
<p>Em <a href="https://www.diariodecuiaba.com.br/cidades/casarao-tombado-corre-risco-de-desabar/561517">Cuiabá, o casarão da Rua Campo Grande</a> integra um grupo de cerca de 400 imóveis protegidos no centro histórico. O risco de colapso é iminente. Em 2023, parte da rua foi interditada para evitar acidentes, repetindo um ciclo de omissão já visto em dezenas de casarões.</p>
<p>Em 2019, o Ministério Público identificou 98 casarões em situação precária na região. A burocracia e as disputas sobre responsabilidade pelas obras agravam o abandono. Proprietários sem recursos ou acesso a crédito não conseguem atender às exigências legais.</p>
<p>Lideranças locais denunciam a falta de transparência sobre o uso de verbas para o patrimônio. Cobram agilidade, apoio e maior fiscalização nos processos. Ressaltam que a preservação não é apenas dever, mas oportunidade de turismo e desenvolvimento econômico.</p>
<h2>Problema estrutural</h2>
<p>Esses exemplos mostram que a crise do patrimônio histórico não se limita a algumas cidades. É um problema estrutural. O regime de tombamento impõe restrições, mas raramente oferece incentivos para a conservação.</p>
<p>Proprietários precisam arcar com custos elevados, manter características originais, contratar mão de obra especializada e enfrentar burocracia para aprovar projetos. Muitas vezes, o tombamento valoriza o imóvel para a sociedade, mas impõe ônus ao dono, sem contrapartida.</p>
<p>A fragilidade dos órgãos responsáveis agrava a situação. Eles trabalham com equipes pequenas e poucos recursos. Instrumentos legais para exigir obras urgentes são lentos e pouco eficazes.</p>
<p>Faltam mecanismos de compensação financeira para quem mantém bens de interesse público. Enquanto isso, a deterioração avança, consumindo imóveis, memórias coletivas e oportunidades de desenvolvimento para as cidades. O potencial econômico se perde junto com a identidade cultural.</p>
<p>Casos como o <a href="https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/casa-historica-do-centro-de-curitiba-e-restaurada-para-abrigar-nucleo-de-arte-digital-e-producao-de-games/75509">Estúdio Riachuelo, em Curitiba</a>, mostram que parcerias entre poder público, sociedade civil e iniciativa privada funcionam. Incentivos fiscais e técnicos podem revitalizar imóveis históricos e reintegrá-los à vida da cidade. Mas essas iniciativas ainda são raras no Brasil.</p>
<p>A revisão das leis é urgente. O país precisa de um modelo que proteja o patrimônio sem transferir todo o encargo para os donos privados. Incentivos econômicos, linhas de crédito acessíveis, assistência técnica e menos burocracia são essenciais.</p>
<p>A gestão do patrimônio histórico deve ser cooperativa. Preservar é responsabilidade coletiva, pois beneficia toda a sociedade. Fortalece vínculos identitários e abre novas oportunidades para o desenvolvimento das cidades brasileiras.</p>
<p>A crise do patrimônio histórico é, em última análise, a crise da capacidade de Estado e sociedade de valorizar o passado sem sacrificar o presente. O desaparecimento de casarões, igrejas e pensões representa mais que a perda de objetos antigos. É o empobrecimento do tecido cultural, social e econômico das cidades brasileiras.</p>
<p>Enquanto não houver mudança de visão, muitos bens patrimoniais continuarão a desaparecer. Com eles, parte da história e do futuro do Brasil se perde.</p><img src="https://counter.theconversation.com/content/266629/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Márcio Santos de Santana não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>Muitas vezes, o tombamento valoriza o imóvel para a sociedade, mas impõe ônus aos donos, sem contrapartida. Proprietários precisam arcar com custos elevados, manter características originais, contratar mão de obra especializada e enfrentar burocracia para aprovar projetos de recuperaçãoMárcio Santos de Santana, Professor Associado de Teoria e Metodologia da História, Universidade Estadual de Londrina (UEL)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.tag:theconversation.com,2011:article/2680762025-10-28T12:07:54Z2025-10-28T12:07:54ZControle extremal: Como máquinas podem aprender sozinhas a alcançar um melhor desempenho?<p>Simples assim. Imagine que você está cozinhando e tenta acertar o tempero de uma sopa. Coloca um pouco de sal, prova, percebe que está sem graça, acrescenta mais um pouco e experimenta novamente — até encontrar o ponto ideal.</p>
<p>Esse processo de tentativa e erro é natural para nós, humanos. Mas como fazer uma máquina ou um sistema automático encontrar, sozinha, o seu “melhor ponto de operação”?</p>
<p>É justamente isso que o controle extremal, conhecido internacionalmente como <a href="https://www.mathworks.com/help/slcontrol/ug/extremum-seeking-control.html"><em>extremum seeking control</em></a> (ou controle extremal, em português), busca resolver. Essa técnica permite que sistemas ajustem automaticamente seu comportamento para alcançar o desempenho ótimo, mesmo sem conhecer exatamente o modelo matemático que descreve seu funcionamento.</p>
<h2>A busca pelo “ótimo”</h2>
<p>A ideia de otimizar — ou seja, buscar o melhor possível dentro de certas condições — está em praticamente tudo ao nosso redor. Queremos o maior rendimento energético, o menor consumo de combustível, o melhor sinal de internet, a maior eficiência industrial.</p>
<p>Na prática, porém, nem sempre sabemos como um sistema reage a cada ajuste. Pequenas mudanças de temperatura ou pressão, por exemplo, podem alterar drasticamente o desempenho de uma máquina. Em muitos casos, é difícil construir um modelo matemático preciso para prever isso.</p>
<p>O controle extremal oferece uma alternativa simples e poderosa: em vez de depender de equações complexas, ele aprende diretamente com a experiência, testando pequenas variações e observando o resultado.</p>
<h2>Como o controle extremal funciona: um pitada de intuição e outra de matemática</h2>
<p>O princípio é semelhante ao de um cozinheiro que experimenta o sabor da comida a cada novo tempero. O sistema faz pequenas perturbações — muda um pouco o parâmetro de controle — e observa como o desempenho varia.</p>
<p>Se a mudança melhora o resultado, o sistema continua nessa direção. Se piora, ajusta para o lado oposto. Com o tempo, ele se aproxima do ponto ótimo.</p>
<p>Trata-se de um aprendizado adaptativo em tempo real, incorporado ao controle automático. Diferentemente de técnicas de inteligência artificial que exigem grandes quantidades de dados, o controle extremal aprende enquanto opera, sem precisar parar o sistema para recalibrar.</p>
<p>Essa característica o torna ideal para ambientes que mudam rapidamente, como veículos em movimento, processos industriais complexos ou redes de energia com alta variação de carga.</p>
<h2>Um pouco de história</h2>
<p>As contribuições para o controle extremal, também conhecido como “busca de pico”, datam das décadas de 1950-1960. Na verdade, ele foi inventado em 1922 por <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Maurice_Leblanc_(engineer)">Maurice Leblanc</a>. E o algoritmo não era complicado — continha apenas um integrador, combinado com um <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Senoide">sinal senoidal</a> usado tanto como perturbação quanto para demodulação. A versão mais sofisticada já inclui os filtros passa-baixa e passa-alta que ajudam a melhorar seu desempenho.</p>
<p>O antigo nome “busca de pico” deixava claro que o objetivo do algoritmo era otimização. </p>
<p><a href="https://books.google.com.br/books/about/Principles_of_Optimalizing_Control_Syste.html?id=BzI2AQAAIAAJ&redir_esc=y">Draper e Li</a>, em 1951, introduziram a busca de pico nos Estados Unidos, de uma história que já era contada meia década anterior na União Soviética. A literatura que se seguiu nas décadas de 1950 e 1960, concentrava-se em <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Heur%C3%ADstica">heurísticas</a> criativas, mas não havia qualquer teoria consolidada. Não havia teoremas com propriedades claras, nem provas baseadas em hipóteses precisas.</p>
<p>Cerca de trinta anos se passaram desde então, quando <a href="https://www.amazon.com/Adaptive-Control-Second-Electrical-Engineering/dp/0486462781">Åström e Wittenmark</a>, em 1995, colocaram o controle extremal entre as áreas mais promissoras para controle adaptativo. Nesse estágio, surgiu uma figura central, o professor <a href="http://flyingv.ucsd.edu/">Miroslav Krstic</a> da University of California – San Diego (UCSD). Em retrospectiva, ele estabeleceu alguns passos fundamentais para uma prova rigorosa: uma aproximação por perturbação singular da planta e uma aproximação por uma análise da média da malha do controlador extremal.</p>
<p>Assim conseguiu-se estabelecer a estabilidade prática exponencial local do sistema em malha fechada, de modo a obter-se a convergência para uma vizinhança pequena do equilíbrio (extremo), culminando num artigo na prestigiosa <a href="https://doi.org/10.1016/S0005-1098(99)00183-1">revista Automatica</a> em 2000.</p>
<p>Posteriormente, o controle extremal cresceu em milhares de novos artigos ao longo dos anos. Essa pesquisa abrangente foi detalhada por Alexander Scheinker e publicada em seu <a href="https://doi.org/10.1016/j.automatica.2023.111481">Survey paper</a>, cobrindo a maioria das realizações conhecidas em teoria e aplicações desse método.</p>
<h2>A contribuição da pesquisa científica</h2>
<p>Desde então, o controle extremal tem sido tema de pesquisa em universidades e centros tecnológicos ao redor do mundo. Nos últimos anos, avanços teóricos e computacionais têm ampliado seu alcance e confiabilidade.</p>
<p>No Brasil, nosso grupo de pesquisa, do Centro de Tecnologia e Ciências da Faculdade de Engenharia, da <a href="https://www.uerj.br/">Universidade do Estado do Rio de Janeiro</a>, é pioneiro e desenvolve métodos que combinam controle adaptativo e otimização em tempo real.</p>
<p>O desenvolvimento do controle extremal avançou, ao longo dos últimos cem anos, de mapas estáticos, para sistemas dinâmicos de dimensão finita, até redes de agentes estáticos e dinâmicos. Em particular, nossa contribuição é na extensão para mapeamentos e agentes que incorporam atrasos ou até equações diferenciais parciais e um passo natural nessa progressão.</p>
<p>Em coautoria com o professor Miroslav Krstic, publiquei <a href="https://tiagoroux.com/wp-content/uploads/2025/04/Extremum_Seeking_Through_Delays_and_PDEs_Bookshelf-7.pdf">um livro</a> que discute resultados sobre o projeto de algoritmos e a teoria de controle extremal para tais sistemas de dimensão infinita. São apresentadas tanto dinâmicas hiperbólicas quanto parabólicas: equações com atraso ou de transporte, equações dominadas pelo calor, equações de onda e equações de reação-adveção-difusão.</p>
<p>Métodos são introduzidos para otimização de um agente único e estendidos a cenários de jogos não cooperativos livres de modelos. Até jogos heterogêneos, como um duopólio com um agente parabólico e um hiperbólico, são considerados.</p>
<p>Várias aplicações de engenharia são abordadas para ilustração, incluindo controle de fluxo e tráfego para mobilidade urbana, sistemas de perfuração de petróleo, busca de fontes em cabos submersos, manufatura aditiva, reatores biológicos, busca de fontes de luz com estruturas de feixe flexível e estimulação elétrica neuromuscular.</p>
<p>Essa área também dialoga com a transição digital que estamos vivendo. O conceito de Indústria 4.0, por exemplo, depende de sistemas capazes de operar de forma autônoma e eficiente. Nesse contexto, o controle extremal é um dos mecanismos que permitem que sensores, atuadores e algoritmos trabalhem juntos para extrair o máximo desempenho de máquinas e processos.</p>
<h2>Muitas outras aplicações que já fazem parte do nosso dia a dia</h2>
<p>Embora pareça algo de laboratório, o controle extremal já está presente em várias tecnologias.</p>
<p>Nos automóveis modernos, ele pode ajustar continuamente a mistura de ar e combustível para minimizar o consumo. Em <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Aerogerador">turbinas eólicas</a>, otimiza o ângulo das pás para extrair a máxima energia do vento. Em fábricas, controla temperatura e pressão para reduzir desperdícios e aumentar a eficiência. Em robôs, permite que eles executem tarefas com precisão mesmo sem conhecer detalhadamente o ambiente ao redor.</p>
<p>Há também aplicações em áreas menos óbvias. Na biotecnologia, ajuda a regular condições ideais para o crescimento de células. Em telecomunicações, ajusta parâmetros de antenas para maximizar o sinal. Em sistemas ambientais, controla reatores usados no tratamento de efluentes ou na produção de <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Biog%C3%A1s">biogás</a>.</p>
<p>Em todos esses casos, o princípio é o mesmo: o sistema busca o ponto ótimo com base na observação direta do desempenho.</p>
<h2>Impacto silencioso, mas profundo</h2>
<p>O controle extremal é uma dessas tecnologias discretas que tornam a vida mais eficiente sem chamar atenção. Seus efeitos aparecem de forma indireta: menor consumo de energia, redução de custos industriais, melhor qualidade de produtos e processos mais sustentáveis.</p>
<p>À medida que máquinas e sistemas se tornam mais complexos e interconectados, cresce a necessidade de controladores capazes de aprender e se adaptar sozinhos. O controle extremal é uma resposta elegante a esse desafio.</p>
<p>Imagine edifícios inteligentes que ajustam automaticamente ventilação e iluminação para economizar energia. Ou carros autônomos que aprendem, em tempo real, a dirigir de modo mais eficiente e seguro.</p>
<p>Essas possibilidades não estão distantes. São exemplos de como essa tecnologia pode contribuir diretamente para um futuro mais inteligente e sustentável.</p>
<h2>Desafios e perspectivas</h2>
<p>Apesar de suas vantagens, o controle extremal ainda enfrenta desafios. Garantir rapidez de convergência e robustez a diferentes tipos de distúrbios são temas de pesquisa ativa.</p>
<p>Outra fronteira promissora é a integração com a Inteligência Artificial (IA). Enquanto o controle extremal oferece garantias matemáticas e estabilidade, a IA amplia a capacidade de aprendizado e previsão.</p>
<p>O futuro tende a ser híbrido: máquinas que aprendem continuamente, mas mantêm segurança e confiabilidade mesmo diante de incertezas. Isso será fundamental em veículos autônomos, redes elétricas inteligentes e sistemas médicos automatizados.</p>
<h2>Método inspirado pela curiosidade humana</h2>
<p>O controle extremal é, em certo sentido, uma expressão tecnológica da curiosidade humana. Ele permite que máquinas experimentem, observem e melhorem — um comportamento essencialmente científico.</p>
<p>Assim como ajustamos o tempero da sopa até chegar ao sabor ideal, sistemas guiados por esse princípio se ajustam para alcançar o melhor desempenho possível. Trata-se de uma tecnologia silenciosa, mas com potencial de transformar a forma como produzimos, consumimos e interagimos com o mundo.</p>
<p>Retomando à nossa pergunta inicial, surge outra igualmente provocativa: se o controle extremal permite que máquinas aprendam sozinhas a melhorar, o que ainda nos resta ensinar a elas?</p>
<p>O impulso de buscar o melhor continua sendo humano. É ele que nos trouxe até aqui — e que agora ensina as máquinas a seguir adiante. Talvez seja justamente esse impulso compartilhado que nos conduzirá, juntos, a um futuro em que a inteligência das máquinas amplie a nossa, e não a substitua.</p>
<hr>
<p><em>A publicação deste artigo foi financiada pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).</em></p><img src="https://counter.theconversation.com/content/268076/count.gif" alt="The Conversation" width="1" height="1" />
<p class="fine-print"><em><span>Tiago Roux Oliveira não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.</span></em></p>O controle extremal oferece uma alternativa simples e poderosa: em vez de depender de equações complexas, ele aprende diretamente com a experiência, testando pequenas variações e observando o resultadoTiago Roux Oliveira, Professor do Departamento de Engenharia Eletrônica, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)Licensed as Creative Commons – attribution, no derivatives.